“A Cidade e as Serras”, Eça de Queiroz
Daquela janela, aberta sobre as serras, entrevia uma outra vida, que não anda somente cheia do Homem e do tumulto da sua obra.
Parece que ainda há pouco escrevi aqui sobre a minha leitura de O Primo Basílio e e agora escrevo novamente sobre uma obra de Eça de Queirós. Gosto muito da sua obra no geral. Como já tive oportunidade de escrever aqui, é um dos meus autores portugueses preferidos. A Cidade e as Serras era uma das obras que me faltava ler dele. Tive a oportunidade de este ano a adquirir na Feira do Livro e, finalmente, na semana passada, consegui lê-la.
A Cidade e as Serras (1901) foi publicada postumamente e conta a experiência de Jacinto e Zé Fernandes na cidade de Paris e na serra de Tormes. A narrativa começa em Paris onde Jacinto leva uma vida indolente e frívola que desperta nele humores mais pessimistas. Tudo muda quando, repentinamente, decide voltar a Portugal, à aldeia onde nascera. Lá, nas serras, descobre de novo a vida, adquire novos gostos e, sobretudo, renovados propósitos e ânimo.
Como notam, a obra foca os paralelismos entre a vida na cidade e a vida na serra, isto é, entre o mundo cosmopolita e a vida entre a natureza. Nessa dinâmica a obra vela a sua crítica social que, aqui, é sobretudo dirigida aos modos de vida citadinos, frívolos, pérfidos e vãos, em comparação com os modos de vida mais naturais, simples e autênticos da vida na aldeia.
Destaco um aspeto que me cativou especialmente. Se em Paris Jacinto está imerso em reflexões pessimistas e consumido por literatura que endossa esses mesmos pensamentos e onde claramente se refugia, quando chega à aldeia todas essas obras importantes da literatura e da filosofia são postas de parte. No fim, anos depois, já estabelecido e com uma vida definida, há inclusive uma menção de que os caixotes com os livros que vieram de Paris nunca mais foram tocados. Acho muito interessante esta relação e ainda estou a tentar decidir se a associo a necessidade dessa literatura em Paris ao enfado que permitia a identificação com ela ou ao vazio criado na sua vida que ela ajudava a preencher.
Também sublinho, quase no fim da obra, o retorno de Zé Fernandes, aborrecido com a vida nas serras, a Paris, apenas para a encontrar tão ligeira e leviana que a deixa pouco tempo depois, voltando novamente à serra. É muito interessante observar o quão diferente é então Paris e o modo como tudo mudou, mas apenas a um nível superficial, já que, na essência a cidade continua igual, assim como as pessoas que ali viviam e vivem.
Penso que esta foi uma das obras de Eça de Queiroz que mais gostei de ler. Não é a minha preferida, mas é uma das. Ao mesmo tempo, apesar de reconhecer muitos dos traços que caracterizam as outras obras do autor, esta pareceu-me a mais diferente entre todas as que li. É certamente uma leitura que recomendo.
Já leram? Também são fãs da obra deste autor? Qual a vossa preferida e qual me indicariam?