“A Divina Comédia", Dante Alighieri
“Antes de mim não houve cousas mais do que as eternas e eu eterno duro. Deixai toda a esperança, vós que entrais."
Ler A Divina Comédia era um desejo antigo, já para não falar de uma “quase obrigação" para qualquer amante de literatura. A oportunidade acabou por se apresentar no início deste ano e foi com grande entusiasmo que comecei a leitura. Esta obra aparece sempre como uma das obras mais importantes, estudadas e analisadas, já para não falar citadas, o que torna ainda mais estranho só agora a ter lido. E o que torna mais difícil a tarefa de falar sobre ela aqui.
Como provavelmente já sabem, A Divina Comédia, com composição no século XIV, é um poema épico, considerado a maior obra na língua italiana, e que está dividido em três partes: o “Inferno”, o “Purgatório" e o “Paraíso", somando 100 cantos, e descrevendo a viagem do poeta pelos três sítios. A acompanhá-lo nesta jornada estão o poeta Virgílio (autor de Eneida), a amada Beatriz e São Bernardo. A obra é encarada como uma das mais notáveis no que diz respeito à visão medieval do universo (se não a mais) e está repleta de significado teológico e filosófico, bem como de alegorias e referências a diversos aspetos, símbolos e situações não só medievais e ocidentais, mas também clássicas, entre outras. Tem quatro sentidos sobrepostos, segundo o autor - alegórico, místico, moral e literal -, e, ao contrário das outras obras do mesmo estilo, não está escrita em latim, mas sim em florentino, uma variação de toscano, que contribuiu para a belíssima Língua Italiana.
Sinceramente, achei a obra lindíssima, mas sei que não a entendi na totalidade. Pareceu-me incrivelmente complicada, muito em função de todas as referências e alegorias que tem. Mal posso esperar para a estudar em pormenor porque, se já a achei gloriosa sem a entender em todo o seu esplendor, nem consigo calcular o quanto a vou apreciar quando souber em mais detalhe tudo o que representa.
Como não consigo descodificá-la na totalidade, vou humildemente restringir-me a falar aqui de coisas mais gerais, por exemplo, coisas nas quais não consigo parar de pensar: Que Dante tenha concebido Jerusalém como o portal do Inferno, achei extraordinário e inovador, e ao mesmo tempo, fez para mim todo o sentido. Foi ali, segundo A Divina Comédia que Lúcifer teria aterrado na sua “queda”. É ou não é bonito? Achei a conceção da Terra de Dante interessantíssima, mas complicada e sinto que preciso que alguém ma explique, porque são demasiados círculos! E aqueles ciclos todos em “Inferno”? Outra coisa que me intriga é Beatriz. Estou muito inclinada a pensar que ela não é real. Quero dizer, que não é mesmo uma amada, apesar de ser referida muitas vezes como “minha dama”. Parece-me que há a possibilidade (gigante) de ela ser só (mais) uma alegoria para algo que não é de todo físico e, de novo, estou ansiosa para ler sobre tal assunto.
E as referências culturais que nunca mais acabam? Foi a obra com mais referências ao passado cultural que li nos meus 22 anos. E com mais metáforas e alegorias. Aliás, a própria obra é, por si só, uma alegoria gigante com inúmeras possibilidades de interpretação e infinitos significados.
Não posso ainda deixar de falar da tradução da obra. É de Vasco Graça Moura e, sinceramente, ninguém precisa de traduzir A Divina Comédia outra vez porque a tradução é simplesmente excelente. Aliás, peca bastante por ser boa demais. Tenho a certeza que uma pessoa que não tenha um determinado tipo de educação ou que não esteja habituada a ler com bastante frequência, não a entende nem a consegue acompanhar. Lembro-me de, num canto de “Inferno” estar com tantos problemas com a tradução que irritada me virei para a versão original (a edição portuguesa de Quetzal é bilingue) e, acreditem ou não, apesar de não ter tido italiano durante muitos anos, saí-me melhor com o original do que com a tradução. Foi só num canto, mas foi o suficiente para me fazer pensar que, se uma estudante de letras que lê bastante e frequentemente obras escritas em outros séculos não conseguiu entender a tradução de um determinado canto, muitas pessoas não vão conseguir acompanhar uma tradução tão elitista e perfeita. E, sendo A Divina Comédia uma obra que qualquer pessoa devia ler, parece-me a mim que alguém devia ter tido o cuidado de produzir uma edição com uma tradução mais acessível. Em contrapartida, tem imensas notas de rodapé super bem elaboradas e pertinentes que são absolutamente cruciais para entender a obra e todas as inúmeras e infinitas referências da mesma.
Em jeito de conclusão, e apesar de não ser preciso ninguém recomendar uma obra destas para o público, sobretudo o público que lê, não posso deixar de vos dizer para lerem A Divina Comédia de Dante.
Idioma de Leitura: Português
4/5