“A Laranja Mecânica”, Anthony Burgess
A bondade é algo que se escolhe. Quando um homem não pode escolher, deixa de ser homem.
A Laranja Mecânica é uma obra do autor americano Anthony Burgess publicada em meados do século XX (1962). É ainda diversas vezes considerada uma das obras americanas mais significativas e é vastamente conhecida devido à adaptação cinematográfica do realizador Stanley Kubrick. Não obstante ser uma das obras americanas mais lidas e privilegiadas, o seu autor acabou por a repudiar, afirmando inclusive que nunca a deveria ter escrito.
Esta obra é muitas vezes descrita como uma distopia ou uma comédia ou sátira de humor negro. A sua ação envolve uma sociedade localizada no futuro e caracterizada por comportamentos de extrema violência, sobretudo entre os mais jovens. A narrativa divide-se em três partes e segue a vida do jovem protagonista Alex. A primeira parte acompanha a vida criminosa de Alex e os violentos crimes que ele, com os seus amigos, vai cometendo. Um desses crimes resulta num homicídio e Alex é preso. A partir daí decorre a segunda parte que segue a vida de Alex na prisão e as tentativas de corrigir o seu comportamento marginal e as suas tendências para a violência. Nesta parte lemos sobre a denominada técnica Ludovico que consiste basicamente num modo de terapia de aversão — Alex é forçado a ver filmes que englobam cenas de alta violência ao mesmo tempo que, sob o efeito de medicação própria, se sente enjoado e incapacitado. Esta nova técnica parte de um plano governamental para corrigir pessoas violentas. A terceira e última parte inicia quando Alex é libertado e aborda o seu regresso e consequente saída de casa dos pais, a brutalidade com que é tratado pela polícia e, sobretudo o seu reencontro com uma das suas anteriores vítimas, um escritor altamente crítico do governo, da polícia e das novas técnicas de condicionamento comportamental que pretende utilizar o caso de Alex como exemplo, impedindo os avanços e a reeleição do governo em exercício.
O aspeto que mais sobressai nesta obra é, de facto, a questão do condicionamento psicológico e o debate que ele suscita. Porém, igualmente interessante é a questão do livre arbítrio a si subjacente. Está sempre presente uma reflexão profunda sobre a escolha entre o bem e o mal, uma escolha própria de cada um em relação ao seu comportamento — deverá ser o indivíduo a escolher, ou enquanto membro de uma sociedade, deve existir um condicionamento da escolha individual.
Também de destaque é todo o vocabulário criado pelo autor para esta obra. Palavras novas e sentidos novos que tornam necessário uma espécie de dicionário próprio no final da obra para se conseguir compreender totalmente o dialeto que o narrador utiliza.
Como referi no início, Burgess foi bastante crítico com a esta sua obra. Anos depois da sua publicação referiu que nunca a deveria ter escrito, que o tinha feito pelo retorno financeiro e que nunca esperara que a ela se tornasse tão popular e, nas suas palavras, que viesse a ser tão erroneamente interpretada. O autor referia-se a uma espécie de glamourização da violência que a obra impulsionou aquando da sua publicação e, sobretudo, aquando da adaptação cinematográfica que mais a popularizou. Pessoalmente não tenho a certeza de que esse enlevo por um modo de violência não fosse já poético por via de outras obras e tradições e não transparecesse já para vida real de então. Aliás, a inspiração para a escrita de A Laranja Mecânica terá sido a observação pessoal do próprio autor de grupos de delinquentes então em Inglaterra.
Não obstante, tendo a considerar esta obra, realmente, uma distopia. Com efeito, A Laranja Mecânica é muitas vezes colocada ao lado de obras como Admirável Mundo Novo e 1984. Penso que também é assim que a prefiro compreender.
Esta obra está traduzida para português, mas, caso queiram ler, aconselho a versão original se possível ,devido à linguagem inovadora e de impossível tradução para outros idiomas. A edição da Penguin que está no inicío deste post é especialmente completa, contendo diversos ensaios sobre esta obra do autor e de críticos, assim como uma introdução e uma nota prévia, ambas muito esclarecedoras.