“A Metamorfose”, Franz Kafka
“E se voltasse a dormir mais um pouco e esquecesse todas estas asneiras?"
Confesso que já há algum tempo desejava ler algo de Kafka. Porém, há uns meses atrás, uma amiga minha leu O Processo e nas suas próprias palavras achou que ler tal livro foi literalmente “um processo”. Na altura isso desanimou-me. Contudo quando há uns dias vi A Metamorfose nas prateleiras de um comum supermercado pensei “que se lixe” e comprei. Foi uma boa decisão.
Publicado originalmente em 1915, A Metamorfose narra a história de George Samsa, que acorda um dia metamorfoseado em inseto. A partir daí é forçado a faltar aos seus deveres como trabalhador e principal sustento da família, e vê-se ao cuidado da mesma. Este é um desses livros do “absurdo”.
Neste livro podemos encontrar as consequências de alguém que colocou a sua individualidade de lado em detrimento da vida social e trabalho. A certo ponto George refere que “era uma criatura do patrão, sem qualquer dignidade ou inteligência”. A metamorfose que o protagonista sofre nada mais é do que uma manifestação física do seu estado interior. No seu íntimo, George já não era original, individual, já não era ele mesmo. A força dos hábitos e dos deveres transformou-o em alguém de quem ele próprio não gostava. A metamorfose é apenas uma ilustração visível disso mesmo
George era a fonte de sustento para a sua família, trabalhava arduamente em algo de que não gostava para o bem-estar dos seus entes queridos e isso roubava todo o tempo que ele poderia ter para fazer coisas que ele admirasse ou que o fizessem feliz. Aquando da metamorfose, George que antes era o “queridinho” da família, tornou-se num embaraço e em algo que a própria família não conseguia tolerar. Não só o protagonista perdeu a sua utilidade como perdeu também a sua forma e o que o tornava humano. Porém tal como disse anteriormente considero que a sua humanidade estava há muito perdida, a metamorfose foi apenas a expressão física dessa mesma perda. Também relevante é o facto de George aceitar a sua metamorfose pacificamente, e tentar a ela adaptar-se o melhor que pode. Isto pode denotar a indiferença que já possuía para com a realidade. A sua primeira preocupação foi de que faltaria ao trabalho, essa grande obrigação do mundo mundano.
Desde a leitura de “O Estrangeiro” de Albert Camus que não lia um livro do “absurdo” tão bom. É incrível a quantidade de coisas que podemos aprender com A Metamorfose e as múltiplas interpretações que lhe podemos dar. Na minha opinião a mais importante é que não nos devemos sujeitar ao preço que a sociedade nos cobra para estarmos nela inseridos. Ao invés, é importante encontramos algo que amamos fazer, pois só assim a nossa individualidade está não só a salvo, como a ser constantemente estimulada. Assim nos mantemos diferentes dos demais. A Metamorfose é um daqueles livros que definitivamente merece a aclamação que tem. Leiam!