“A Missa do Ateu”, Honoré de Balzac
Meu caro amigo, se não acredito em Deus, acredito ainda menos no homem.
A Missa do Ateu é um conto de Balzac publicado em 1836 e faz farte da volumosa coleção do autor – A Comédia Humana.
Este conto centra fundamentalmente duas personagens – o médico Bianchon e o seu mestre Desplein, que são também encontrados em outros momentos d’A Comédia Humana. O conto inicia ilustrando Desplein como um ateu convicto que acredita apenas no conhecimento científico. Todavia, isso não impede que Bianchon o surpreenda certa vez a assistir a uma missa. O conto compreende a explicação de Desplein para este seu hábito de, em certas datas, assistir à missa. Há tempos, Desplein havia conhecido Bourgeat, alguém que o ajudou e que muito considerava. Bourgeat era um fervoroso crente e, o hábito do protagonista ateu em assistir a missas revela-se como fruto da sua vontade em mandar dizer missas por alma do seu querido e falecido amigo.
Três aspetos que destacaria. Por um lado, o evidente paradoxo que é um ateu não somente assistir a missas, mas inclusive mandar dizê-las. Em seguida, o facto da sua ideologia não se traduzir em intolerância. Por fim, o cariz do seu afeto pelo falecido amigo que justifica o seu contraditório hábito.
Penso que os três aspetos estão íntima e complexamente relacionados. É óbvio que a única motivação ao comportamento singular deste protagonista ateu é a sua gratidão, afeto e reconhecimento por alguém para si muito importante. É igualmente claro que este laço é dotado de uma natureza muito semelhante (senão mesmo) religiosa. Por sua vez, a religiosidade e profundidade deste laço impede a intolerância ideológica que o poderia caracterizar e que é notória em outras posturas suas. Estas idiossincrasias são indicativas da complexidade humana e da profundidade singular das relações sociais e são captadas neste conto de um modo muito vívido.
Causa estranheza, ao lermos o conto e percebermos a convicção inabalável do protagonista, descobrirmos o seu hábito. Porém, quando descobrimos a sua motivação, tudo resulta claro e não há espaço para questionar.
Quando acabei a leitura e refleti sobre o caracter paradoxal da história, percebi que hoje aquilo ali expresso é recorrente. Ninguém questiona o acto de alguém que não seja em assistir pontualmente a uma missa por alma de alguém de quem gosta, por exemplo. Não se pergunta se aquelas pessoas estão ali porque não seguem realmente a sua ideologia, se porque se importavam muito com a pessoa de quem fazem o luto, ou simplesmente por uma questão social. É um hábito tão natural e recorrente que me surpreende que tenha ficado tão cativada com o conto e com aquilo representado. Certamente um sinal da sua prodigiosidade e do mérito do seu autor.
Conhecem A Comédia Humana? Qual o vosso conto/episódio preferido?