“A Tragédia da Rua das Flores”, Eça de Queirós
A grande tendência humana era transformar em utilidades imediatas os grandes fenómenos naturais. O que era o vento? Uma grande deslocação de ar errante no firmamento. Só por si, de que servia?
A Tragédia da Rua das Flores terá sido escrita entre 1877 e 1878, mas apenas foi publicada em 1980, quando deixou de estar sob o domínio dos herdeiros do autor e se tornou de domínio público. Assim, nem o autor nem os seus herdeiros terão pretendido que esta obra fosse lida, embora o manuscrito tenha sido preservado.
A narrativa desta obra desenrola-se em torno de Genoveva . Inicia quando esta era ainda jovem e conhecida como Joaquina. Nessa época, Genoveva casa com Pedro da Ega, irmão de Timóteo, uma das personagens principais, e antigo admirador de Genoveva. Este casamento não dura, visto que Genoveva acaba por fugir de casa e deixar o marido com um filho pequeno. Pedro não vive durante muito mais tempo e o filho de ambos, Victor, é criado por Timóteo. Nos anos que se seguem, Genoveva vai mudando de país e de maridos e amantes até voltar enfim a Lisboa. Aí volta a cruzar-se com Victor, agora com 23 anos. Sem saberem a relação de parentesco que os une, os dois apaixonam-se.
Apesar de aquilo que mais cativa nesta obra seja, pela sua dimensão chocante, a história romântica entre Genoveva e Victor, A Tragédia da Rua das Flores, como todas as outras obras deste autor, vale mais pela crítica de costumes e pelo realismo que a caracteriza.
Assim, a obra é rica em personagens-tipo, entre as quais destacaria Dâmaso, um jovem abastado que se torna amante de Genoveva e seu sustento em Lisboa, ou Camilo, um pintor que surge como o protótipo do artista de então.
Não deixo de notar que, para uma obra que não foi considerada para publicação, está muito próxima de outras obras do autor, em termos de estrutura, estilo, personagens e crítica. Além disso, destaco também as inúmeras referências a outros autores, obras e estilos. Aqui, há uma referência que paira sobre toda a narrativa — A Dama das Camélias de Dumas. Para quem leu a obra de Dumas e lê a de Eça é evidente que, mais do que referida, A Dama das Camélias é também uma inspiração, sobretudo no que refere a personagem de Genoveva, mas também determinadas cenas.
Como referi no início, a obra não foi autorizada para publicação nem pelo autor nem pelos seus herdeiros. Pode ser que devido ao controverso tema, ou apenas por escolha. Devido a isso, não é possível saber até que ponto a versão que temos disponível é uma versão final ou apenas um rascunho ou o primeiro manuscrito. É muito semelhante a todas as outras obras do autor e, se for apenas um manuscrito ou uma primeira versão, parece já algo muito final. Também decorre daqui que não existam edições críticas desta obra, o que é sempre uma pena.
Não sei até que ponto é ou não injusto ou pouco ético tornar de domínio público algo à revelia da intenção do seu autor e/ou dos seus proprietários. Foi certamente isso que aconteceu com A Tragédia da Rua das Flores, mas também com imensas outras obras de diversos autores. E nunca ninguém deixou de as ler ou apreciar por isso. Assim, A Tragédia da Rua das Flores foi editada por várias editoras e é hoje uma obra bem conhecida do autor. Podem entrá-la com muita facilidade, se a pretenderem ler. Já o fizeram? Qual a vossa opinião?