“Arte de Amar”, Ovídio
“Qual foi a vossa perdição, eu vos direi: não soubeste amar; faltou-vos arte; é a arte que faz perdurar o amor."
Esta escolha foi um misto de vontade e dever. Já queria ler Arte de Amar há bastante, mas ainda não tinha tido oportunidade. Agora, a oportunidade surgiu e dediquei-me logo. Não tinha bem a certeza quando a comecei se queria falar sobre ela aqui, mas não resisti!
Arte de Amar (século I a.C) é, literalmente, um manual! É um manual que pretende “ensinar” a amar, ensinar a arte do amor. Está dividido em três livros: os dois primeiros livros dirigem-se aos homens, o terceiro livro é direcionado às senhoras. Cada livro está dividido em temas específicos: o processo de sedução, a “corte”, o comportamento enquanto amante, o ato de amar propriamente dito, etc, e oferece conselhos em relação a todos estes.
E que conselhos! Conselhos sobre a maneira certa de lidar com os “escravos” (era comum possuir escravos na altura de Ovídio, não se esqueçam!) e “amigos/as” da pessoa desejada, sobre a maneira de não se ser apanhado em adultério, sobre a quantidade certa de vinho a ingerir, sobre as roupas e maquilhagem adequadas, enfim, tudo o que possam imaginar!
Bem, acho que não houve um único aspeto do amor que tenha ficado de fora. Todo o tipo de conselho foi ali expresso. É verdadeiramente completa. E depois, através da obra podemos ver como eram os comportamentos e ideais da época no que trata do nível social, mas claro, sobretudo a nível de relacionamentos pessoais.
Achei esta obra de uma originalidade extraordinária. Fiquei muito entusiasmada. Às vezes certas coisas deixavam-me desconfortável, vou ser sincera. Mas acho que isso tem a ver comigo e com a minha educação. Não obstante isso, gostei mesmo.
Só a ideia de que tenha efetivamente existido alguém que se tivesse lembrado de escrever um livro destes, que tivesse a “falta de modéstia” de se achar um mestre nesta “arte”, diverte-me a valer. Assim como o tom irónico que pesa em cada linha.
Acho também interessante notar que, por incrível que pareça, muitos dos conselhos e ideias ali expressas ainda são atuais, mais de 21 séculos depois, o que só demonstra que o mundo, os humanos e as convenções não mudaram assim tanto em 21 séculos.
É ainda de notar o impacto que a obra teve em convenções sociais e, sobretudo, nas que conheço melhor, literárias. Por exemplo, o amor cortês. Nota-se que houve uma influência clara desta obra.
Depois há ainda uma coisa que destaco. Fiquei efetivamente surpreendida em saber que esta obra foi mesmo publicada, lida e apreciada na Roma antiga. Acho que já tinha aqui expresso que às vezes fico surpreendida com o à vontade com que este tipo de obra, que agora nós facilmente assumimos que haveria de ter escandalizado as pessoas da sua época, tenha passado e tenha sido tão apreciada. Apesar de estudar estas culturas e épocas, às vezes também eu sou apanhada no meio de preconceitos atuais e convenções a elas impingidas pelas nossas culturas contemporâneas, de maneira que é sempre bom ler este tipo de livro.
Ainda assim, Ovídio teve um cuidado específico: o de ir deixando claro ao longo da obra que a mesma não se dirigia a “senhoras” mais, digamos, “de respeito”, casadas, etc. Uma estratégia inteligente da sua parte.
Em suma, concluo recomendando-vos a leitura de Arte de Amar. É, de facto, um “must”. Não só pelo que lá está escrito, pelo humor com que está escrito e pelo que representa relativamente à sua época, mas também devido à sua inacreditável atualidade, quando já passaram por ela mais de 21 séculos. Só isso é extraordinário por si só. E, vá lá, confessemos, às vezes precisamos de manuais destes!
Idioma de leitura: Português
4/5