“As Flores do Mal”, Charles Baudelaire
A mão do diabo coordena todos os nossos movimentos —
As coisas que detestamos tornam-se as coisas que amamos;
A cada dia caímos por sombras fétidas
Bastante implacáveis na nossa descida ao Inferno.
Tinha As Flores do Mal lá por casa há bastante tempo para ler e nunca me convencia a fazê-lo. Agora que estamos quase no fim do ano e já não tenho assim tantos livros por lá perdidos, decidi que tinha de ser. Não costumo ler muito poesia, confesso, e, geralmente, quando leio são sempre obras que sei que tenho mesmo de ler. O que, na maioria das vezes, acaba por funcionar muito mal, já que escolho obras mais complexas e que — talvez por não estar tão habituada ao estilo —, se tornam ainda mais difíceis.
As Flores do Mal (1857) é, como escrevi, um volume de poesia. A obra está dividida em seis secções e trata sobretudo de temas relacionados com a narrativa bíblica da queda e a expulsão do paraíso, o amor e a paixão, a morte e a decadência e, sobretudo, o tempo e o tédio, o aborrecimento.
Eu destacaria sobretudo a primeira secção, Spleen et Idéal (em português, qualquer coisa como “tédio e ideal”). Foi a minha preferida e trata, sobretudo no início, a questão do tempo, do tédio, do aborrecimento que enfrentamos ao longo da nossa vida. E, à medida que vai avançando, surgem poemas sobre a arte, o belo, a morte, no fundo, as pequenas coisas que fazem com que o tempo que não pára se torne mais confortável e a nossa existência mais suportável. As outras seções da obra, com mais ou menos ênfase neste ou naquele tema, seguem a mesma lógica.
Logo no início da coleção, há um poema dedicado ao leitor, à moda de uma advertência. Estranhamente ou não, foi um dos meus preferidos. Nesta interpelação ao leitor, o autor denuncia o ennui (talvez a nossa melhor tradução seja “enfado”?) como a pior das coisas, a mais atroz miséria e a causa maior do nosso sofrimento, algo transversal a todos nós. Este poema acaba justamente com o autor a identificar-se com o leitor por meio do sofrimento que partilham e que tem precisamente a mesma causa:
C'est l'Ennui!—l'œil chargé d'un pleur involontaire,
Il rêve d'échafauds en fumant son houka.
Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,
Hypocrite lecteur,—mon semblable,—mon frère!
Este poema, acaba por ser como que uma introdução que marca o tom da restante obra.
Este ano, foi editada pela Relógio d’Água uma nova tradução desta obra e que conta inclusive com o conhecido prefácio de Paul Valéry. Eu preferi ler o original em francês porque, sobretudo em poesia, as traduções tiram sempre muito ao original, por muito bem feitas que estejam. Se tiverem interesse e apreciarem este género — o se como eu gostarem muito de literatura — esta é certamente uma leitura que recomendaria.
Já tiveram oportunidade de ler? O que opinam? Qual a vossa impressão das traduções que temos desta obra?