“As Intermitências da Morte”, José Saramago
"A morte, por si mesma, sozinha, sem qualquer ajuda externa, sempre matou muito menos que o homem”
Como provavelmente já perceberam, eu não sou por excelência uma apreciadora ou admiradora de literatura portuguesa. Não é o meu campo de interesses principal e sinto sempre que para me prender, tem realmente de ser uma obra notável. Assim, há muito poucos autores que aprecie e como tal, cada vez que decido do nada que é altura de ler literatura portuguesa, é um desafio. Tudo o que é clássico, já está lido. E tudo o que é atual, simplesmente não me puxa. Saramago é como o meio termo e então, para mim, é uma exceção. Desta forma, nos últimos anos, cada vez que decido que está na hora de literatura portuguesa, é sempre Saramago. Porém, as escolhas também vão escasseando cada vez mais e desta vez, a escolha foi As Intermitências da Morte.
As Intermitências da Morte é uma história sobre os caprichos da morte. Certo dia, num determinado país, as pessoas deixam simplesmente de morrer. As pessoas sobreviviam a acidentes terríveis e as que estavam em leito de morte, assim permaneciam. E porquê? A Morte decidiu que queria demonstrar aos humanos como seria se vivessem para sempre.
Acho que todos percebem que a premissa da história, para além de ser incrivelmente poética e original, é filosófica. Por isso, não me parece que haja uma interpretação linear e transversal, pelo que não vou tentar produzir uma.
Então, coisas que destaco mesmo muito: a habitual descontração, ironia e perspicácia de Saramago - nunca deixa de surpreender. Por exemplo, ele criou mesmo uma figura humana para a morte, que ‘desenhou’ de acordo com a crença comum acerca da mesma e com as suas representações: o esqueleto, a gadanha, as roupas, a magia, etc. O facto de a morte enviar cartas, comunicar como o comum mortal, através até da comunicação social (claro). E, claro, o retrato de toda a calamidade que ia ser se as pessoas simplesmente deixassem de morrer e, sobretudo, da maneira em como os mais poderosos, que beneficiavam com a morte comum, arranjavam novas formas de beneficiar com a não morte (neste âmbito, achei principalmente interessante a forma em como o autor ilustrou os comportamentos não só do governo, mas especialmente da ‘maphia’ e das seguradoras). Claro que o papel da Igreja Católica também foi abordado, porque afinal é Saramago. Porém, essa parte não é uma que eu particularmente destaque por aí além.
A minha parte preferida foi, de facto, a humanização total da morte. Tão incrível. Aqui a morte é dotada de todas as características que fazem do ser, humano. O orgulho, os caprichos, a arrogância, até o facto de ela mesma ser falível. No fim, a morte é tão humana como nós. É tão humana que também se apaixona. Esse momento, para mim, é genial. É estupendo que a morte decida tirar férias, mas que a morte, esse mal detestável, seja tão humana, que se apaixone, para mim é lindíssimo. E o humano por quem se apaixona? É maravilhoso. E quando se apaixona a morte, acham que volta a matar? E no fim, claro, é a arte que nos torna imortais e mais spoilers não dou, porque odeio quando me fazem isso a mim!
Então têm mesmo de ler. Aconselho muito esta leitura. Saramago tem, como é óbvio livros extraordinários e este não se tornou nem de perto nem e longe, o meu preferido dele, porém, é mesmo notável. Se puderem ler, deviam. Dá muito que pensar e em pouco tempo. Se já leram, qual foi a vossa opinião? Qual é o vosso livro predileto deste autor? E já agora, há algum livro a nível de literatura portuguesa que recomendem particularmente?
Idioma de Leitura: Português
4/5