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A Outra Menina Bennet

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20
Jul20

“As Vinhas da Ira”, John Steinbeck

Sofia

E o pequeno facto gritante que ressoa ao longo da história: a repressão serve apenas para fortalecer e unir os reprimidos.

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A primeira obra de John Steinbeck que li foi O Inverno do Nosso Descontentamento. Era mais nova e não percebi grande coisa, apenas mais tarde quando me fui lembrando dela a começei a entender melhor. Foi por essa altura que pensei que tinha de ler As Vinhas da Ira, até por ser considerada a “grande” obra de Steinbeck.

 

As Vinhas da Ira (1939) localiza a sua ação em 1929 na América da Grande Depressão e conta a história de Tom Joad e da sua família numa viajem até à Califórnia em busca de trabalho numa altura em que a industrialização ameaçava as vidas que dependiam da agricultura. A narrativa começa quando Tom sai da prisão, onde tinha estado preso pelo crime de homicídio. De volta a casa em Oklahoma descobre que a sua família fora expulsa da sua casa e da sua terra - execuções de dívidas pelos bancos. Sem teto, a família, acompanhada por outras na mesma situação, decide partir para a Califórnia onde poderiam trabalhar no campo e ganhar dinheiro, ter uma casa, alimentar-se. Ao longo das quase 600 páginas é a viagem desta família que acompanhamos e, com ela, os seus infortúnios – acidentes, lutas, mortes e nascimentos. Por fim, com a chegada à Califórnia, acompanhamos a exploração destes trabalhadores.

Com franqueza, mais do que da história gostei da reflexão que ela suscita. Mais do que dos longos capítulos que narram a história da família Joad, gostei dos capítulos mais pequenos que surgem a seguir a esses e que contêm uma espécie de reflexão sobre tudo o que a história implica – as diferenças sociais, o sistema capital, o “sonho americano”, a cupidez do sistema, a parcialidade da justiça, a religião, a fé, a exploração laboral, a natureza humana e o modo como tudo isto afeta o individuo, a sua vida e as suas relações pessoais.

Pensar que algo assim aconteceu, impressiona-me imenso. Sobretudo porque nem foi assim há tanto tempo. Se considerarmos os anos que levamos de existência social, foi há muito pouco tempo. Aliás, coisas como estas ainda ocorrem. Não sei se vos acontece, mas para mim é particularmente difícil imaginar que algo tenha um dia sido diferente do que aquilo que eu vejo agora à minha volta. E acho que é por isso que também fico tão impressionada com este tipo de história. Além disso, quando reflito sobre aquilo que tiro deste tipo obra e vejo que a maioria ainda consigo aplicar à realidade que conheço sinto uma certa estranheza e um certo desconforto, mas isso só me faz valorizar ainda mais aquilo que li.

Queria ainda notar que a expressão “vinhas da ira”, como provavelmente sabem, não é original de Steinbeck. É uma referência a “Battle Hymn of the Republic” de Julia Ward Howe que, por sua vez, refere uma expressão de uma passagem bíblica do Apocalipse (14: 19-20).

Além disso, como provavelmente também sabem, esta obra sofreu diversas acusações quando foi publicada e não foi imediatamente bem recebida. O autor foi acusado de propagandista, de exagerar a realidade, de se preocupar mais com a mensagem política do que com qualquer outra coisa, etc. Pessoalmente, acho sempre que se uma obra é alvo de muitas acusações é porque está a desagradar bastante e, se esta a desagradar anormalmente, deve ser porque está a fazer algo bem feito.

Gostei muito da obra. Acho que foi das que mais me impressionou este ano. Parece mais complexa do que é, justamente por ser tão crua. Como disse acima, acho que vale mais por aquilo que pretende significar e representar do que pelo modo como o faz, embora uma coisa não viva sem a outra. Sei que gostei mais do modo como a obra me fez refletir sobre estas questões do que da leitura em si. Acho que quando isso acontece, quando uma obra nos faz pensar muito sobre algo, sabemos que é boa e que deve ser lida. Talvez por isso também seja uma obra tão popular. Se não leram, recomendo-vos. Se já leram, qual a vossa opinião?

 

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Estudante de Letras. Romântica Incurável. Perdida algures num sonho. Apaixonada por livros, chá, contos de fadas, tragédias e chuva. Entre Flores & Estrelas.

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