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A Outra Menina Bennet

A Outra Menina Bennet

09
Nov20

“Belos e Malditos”, F. Scott Fitzgerald

Sofia

Indiferentemente, Anthony deixou-se cair numa cadeira, a sua mente estava cansada — cansada de nada, cansada de tudo, com o peso do mundo que ele nunca escolhera suportar.

The Beautiful and Damned: Amazon.co.uk: Fitzgerald, F. Scott:  9781509857654: Books

Belos e Malditos era a última obra que me faltava ler de F. Scott Fitzgerald. Este ano escrevi aqui sobre Tender Is the Night e sobre This Side of Paradise, das quais gostei muito.The Great Gatsby li quando era muito mais nova e que continua a ser uma das minha obras predilectas. Faltava só mesmo The Beautiful and Damned ou, como na tradução portuguesa, Belos e Malditos.

 

Belos e Malditos (1922) foi a segunda obra publicada de Fitzgerald e, ambientado em Nova Iorque na década de 1910, acompanha a vida indolente de Anthony Patch — um presumível herdeiro, uma pessoa da sociedade —, a sua complicada relação e casamento com Gloria Gilbert e o casamento deles. Na obra lemos sobre as experiências do casal com a fortuna, com os excessos e, sobretudo vemos o desgaste da relação entre ambos, em virtude tanto das suas personalidades e atitudes, como do natural desvanecer da paixão que inicialmente os uniu.

Como as outras obras de Fitzgerald, Belos e Malditos acaba por nos mostrar muito da elite americana, da época do jazz, dos tempos da Grande Guerra e, neste caso, também da alta sociedade nova iorquina. Ademais, como também costuma ser apontado a outras obras do autor, também aqui parece existir uma inspiração na vida pessoal do autor e na sua relação com a esposa, Zelda. Aliás, parece existir em relação a esta obra um consenso até maior nas semelhanças à realidade do que nas outras. Não posso deixar de me questionar se é a inspiração naquilo que efetivamente viu e viveu que dá a todas as obras de Fitzgerald um traço muito comum que permite diretamente identificá-las como dele. A semelhança na sociedade descrita, na classe descrita, nos assuntos abordados e, sobretudo, a dinâmica nas relações românticas centrais, parecem-me uma constante nas quatro obras, embora sejam, claro, expostas e elaboradas de modos diferentes e com ênfases e objetivos diferentes.

Há três aspetos desta obra que destacaria rapidamente. Em primeiro lugar, li que esta obra é por vezes descrita como um conto moral; ora para mim o mais evidente aqui é a amoralidade das personagens, ou pelo menos, a absoluta indiferença delas em relação a tudo o que as rodeia, talvez seja por isso que se enfatize a componente moral da obra nas análises de si feitas. Em segundo lugar, destacava aquilo que mais me cativou nesta obra que foi, realmente, a componente romântica. Nós damos muito valor a esse aspeto em tudo, não só na arte, como na vida no geral. O que mais gostei nesta obra foi o modo como acompanhou, com aquela frieza e realismo muito próprios de Fitzgerald, o desvanecer de uma paixão que inicialmente parecia idílica e todos os impedimentos ao amor e à paixão que vêm com o hábito de um casamento precipitado e com o choque de personalidades erráticas. Por fim, gostava de destacar o retrato da indolência, da incerteza e da espera: se Anthony está numa permanente espera pela sua herança e futuro desejado, Gloria, após alcançar o objetivo de se casar, está numa espécie de limbo em que já não espera nada, limita-se a viver indulgentemente. As duas posturas encontram os resultados esperados de qualquer estado de ennui: depressão, vícios, traição, enfim, a busca incessante por algo que lhe quebre a espera, que lhe faça sentir alguma coisa, que permita algum tipo de ação.

A decadência, o olhar o passado nostalgicamente, os vícios humanos, o glamour, nenhum dos ingredientes Fitzgerald falta em Belos e Malditos. E, se leram alguma das outras obras do autor, vão certamente também gostar muito desta. Creio que, quando se gosta de uma obra de Fitzgerald, não se gosta bem da obra, mas sim de Fitzgerald, o autor. Como disse no início do post, existe uma tradução desta obra em português, da Relógio d’Água, penso. Para mais, a edição no original em inglês é muito acessível e encontra-se com muita facilidade. Se tiverem oportunidade de ler, é uma leitura que certamente recomendo. Se existe algo que me fascina nos clássicos é olhar e perceber que nunca nada muda e que existem sempre determinados génios que nos conseguem mostrar isso mesmo, mostrando-nos simultaneamente quem somos.

Por fim, e, porque qualquer obra de Fitzgerald é também uma obra sobre literatura e sobre o impacto da arte na vida, termino com uma citação de Belos e Malditos proferida por um dos amigos de Anthony, um famoso e bem-sucedido escritor:

You know these new novels make me tired. My God! Everywhere I go some silly girl asks me if I've read This Side of Paradise. Are our girls really like that? If it's true to life, which I don't believe, the next generation is going to the dogs. I'm sick of all this shoddy realism. I think there's a place for the romanticist in literature.

 

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Estudante de Letras. Romântica Incurável. Perdida algures num sonho. Apaixonada por livros, chá, contos de fadas, tragédias e chuva. Entre Flores & Estrelas.

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