"Capitães da Areia", Jorge Amado
"Que importa morrer quando se vai em busca da amada, quando o amor nos espera?"
Capitães da Areia é um daqueles livros que “estava lá por casa”. Até agora não sei bem se pertencia à minha mãe, ou se é do meu pai. Peguei nele porque não tinha o que ler depois de acabar um livro e antes de ter tempo de comprar outro. Não podia ter sido uma escolha mais acertada. Parece incrível nunca o ter lido antes. Claro que já tinha ouvido falar, claro que já o tinha visto pela casa, claro que já tinha lido um livro de Jorge Amado antes, mas nunca me tinha predisposto a ler Capitães da Areia. Agora estou incrivelmente feliz de o ter feito.
Capitães da Areia trata o problema dos menores, crianças abandonadas, das suas vidas – criminalidade, violência, descriminação, perda da inocência, prostituição. “Capitães da Areia” é o nome do “bando” criminoso mais popular de Baía. Temidos por todos e extremamente eficazes, ninguém sabe quem são, apenas que muitos deles são menores e que se escondem algures.
As personagens que se associam com eles são menosprezadas – como o caso do padre, acusado de comunismo, descriminado pela própria igreja. As personagens que se lhes opõem, enaltecidas – como o diretor do reformatório, que empregava métodos trágicos no seu estabelecimento.
Com um “bando” constituído unicamente por rapazes, comecei a acusar a falta de uma personagem feminina. E então aparece Dora. Dora toma a forma de amiga, mãe, irmã, noiva e esposa. Tudo o que uma mulher pode ser. Exceto que ela não é uma mulher, ainda nem quinze anos tem. É provavelmente a personagem mais completa, ou uma delas. Foi definitivamente a minha preferida.
A questão é que, à medida que ia lendo, ia percebendo que o problema daquelas crianças era a falta de afectos. Muitas vezes lutei com o desejo de querer dar-lhes um abraço e dizer-lhes que “ia ficar tudo bem”. Aqueles menores tornaram-se criminosos porque não tiveram ninguém para cuidar deles ou lhes dar afeto. Nem a família, nem o sistema, estavam lá quando eles mais precisaram. O destino de todos eles foi marcado pela falta de atenção e descuido com que foram sendo tratados pela família, pela sociedade, pelo sistema, pela vida.
Capitães da Areia é na verdade uma nobre crítica ao sistema, que menospreza os que mais falta fazem – as crianças, o futuro. E o futuro está em ler esta obra. Não podia estar mais feliz por ter “tropeçado” nela.