“De Profundis”, Oscar Wilde
Os deuses são estranhos. Não são os nossos vícios que eles utilizam como instrumento para nos magoar. Eles levam-nos à ruína através daquilo que em nós é bom, gentil, humano, afetuoso.
A obra de que vos falo esta semana foi novamente uma leitura de oportunidade. É verdade que não me teria lembrado dela se não a tivesse visto recentemente à venda numa livraria. Mas também é verdade que assim que a vi não pensei duas vezes. Gosto muito das obras de Oscar Wilde e, enquanto artista, gosto bastante dele. Assim, fiquei muito entusiasmada com De Profundis.
De Profundis (1897) é, na verdade, uma longa carta. Como sabem, Wilde esteve preso durante dois anos por conduta indecente. Foi nesse tempo que escreveu esta carta ao seu amante, Lord Alfred Douglas. Como é conhecido, foi do caso de ambos e pela mão do pai de Douglas que Wilde acabaria por ser denunciado e condenado. Nesta carta, o autor fala acerca dos tempos que antecederam a sua prisão, o processo que a decretou e o romance que o incentivou, bem como sobre o comportamento de Douglas e sobre o seu afeto por ele. Porém, a obra acaba por ser mais conhecida devido à exposição do autor da sua visão em relação a aspetos como a arte, a estética, a religião ou a sociedade.
Esta foi a leitura que mais me surpreendeu nos últimos tempos. Confesso que não esperava muito quando a comecei e que talvez seja por isso mesmo que fiquei tão espantada. Mais do que a história pessoal que origina a carta, tenho de destacar precisamente a reflexão profunda acerca da arte e da relação desta com o individuo, com a sociedade e com a natureza. Definitivamente a minha parte preferida e algo que completa muito a minha precepção de The Picture of Dorian Gray, um dos meus livros preferidos.
Igualmente, a reflexão em relação à religião e ao peso da religião na arte, sobretudo na literatura. Sabemos que religião e literatura estão muito relacionadas, desde sempre, mais não seja que em função da composição biblíca, mas realmente a forma como Wilde aborda esse aspeto agradou-me muito. Sobretudo a relação que ele estabelece entre a literatura romântica e a religião cristã. Se calhar porque foi algo que nunca considerei significativamente, mas surpreendeu-me mesmo e gostei muito de ler sobre isso aqui.
Também não posso deixar de mencionar a reflexão acerca da condição humana e das nossas atitudes que a obra suscitou em mim muito em função da descrição da relação que acaba por originar esta carta. Como é que podemos ser tão vis e hostis e como é que nos podemos sujeitar à crueldade uns dos outros e chamar a isso amor. E sobretudo, de onde vem a nossa capacidade ilimitada de odiar, de amar a extremos e de perdoar?
O que mais me impressionou, no caso da história subjacente a esta longa carta, foi o seu desfecho. A carta é marcada por um tom tão desencantado em relação ao romance e ao fim deste, é tão realista e crua; Wilde demonstra durante toda a composição que sabe que o modo como tal relacionamento foi conduzido fora errado, reconhece as suas falhas e a permissividade e denuncia o caracter de Douglas de forma tão veemente e clara; nunca me passaria pela cabeça que eles algum dia pudessem reconciliar-se, que Wilde poderia voltar a confiar numa pessoa que o explorou, que ele sabia que nunca o havia amado, que fora a razão da sua desgraça, da perda da sua fortuna, reputação, família, amigos e por fim liberdade. Mas, por fim, foi isso mesmo que aconteceu. Não me espantaria este desfecho em qualquer outro caso onde não houvesse a plena noção do quão errado tudo aquilo fora, mas ter consciência disso mesmo e voltar ao mesmo, perdoar e voltar a confiar, acho extraordinário. Talvez mais do que a própria carta, o desfecho pessoal daquilo que ela narra me tenha surpreendido ainda mais.
Termino expressando novamente o quão surpresa fiquei com a obra e o quanto gostei de a ler. Genuinamente. Se puderem, não deixem de ler. É relativamente breve e lê-se rápida e facilmente. Não tenho a certeza de existir uma tradução para o português, mas ainda por aí vejo a versão em inglês à venda nas livrarias. Se tiverem essa oportunidade e, sobretudo se se interessarem por este tipo de reflexões, teorias e obras, acho sinceramente que é uma obra que devem ler.
4,5/5