“Doutor Zhivago”, Boris Pasternak
Eles amaram-se, não impulsionados pela necessidade, ou pelo “ardor da paixão” frequente e falsamente associado ao amor. Eles amaram-se porque tudo à sua volta conspirou nesse sentido, as árvores e as nuvens e o céu sobre as suas cabeças e a terra sob os seus pés. Talvez o mundo que os rodeava, os estranhos que eles conheciam na rua, as vastas extensões que viam nas suas caminhadas, as divisões em que vivam ou onde se encontravam, tivessem mais prazer no amor deles do quer eles tinham.
Não vou mentir logo no início. Só li Doctor Zhivago porque vi o filme há coisa de 1 ano e tal. Lembro-me de que não gostei especialmente do filme (vi a versão de 1965 realizada por David Lean), mas que gostei muito da história. Li sobre ela mais tarde e só fiquei surpreendida de não ter ouvido falar desta obra mais cedo. Não só porque adoro literatura russa no geral, mas porque a história é muitas vezes descrita como uma das grandes histórias de amor de sempre. Não sei se concordo, mas acompanhem-me.
Publicado em 1957, Doctor Zhivago acompanha a vida de Yuri Zhivago, focando sobretudo o período da Revolução Russa de 1905 e da 2ª Grande Guerra Mundial. Conhecemo-lo desde os tempos de infância até à morte. Da mesma forma, conhecemos as personagens que passam pela sua vida e entre as quais se destaca Lara. Com uma vida complicada e uma infância e adolescência que terminaram brusca e precocemente, Lara começa por se cruzar com Yuri ainda antes da vida adulta, embora fugazmente, mas deixou, claro, a sua marca. Eles seguiram em direções opostas, mas a guerra levou-os de volta um para o outro, Yuri médico, Lara enfermeira, ambos casados e muito longe de casa, sem sequer saberem se voltariam a ver as suas famílias outra vez. No meio de uma guerra, eles apaixonam-se e a obra vai acompanhando a relação deles à medida que a guerra avança e os vai ora aproximando ora afastando.
Claro que a obra é muito mais do que somente uma história de amor. Para mim, que por acaso até adoro plots românticos, a história de amor até é o menos no meio de tudo isto. E a obra não vale por ela. Melhores histórias de amor se escreveram e mais trágicas do que esta. A obra, para mim, vale pelo incrível testemunho acerca da guerra e dos efeitos que ela causou na vida das pessoas; a forma como as mudou e modelou e os efeitos que deixou. Mas não é só isso.
A obra tem uma incrível componente filosófica que para mim é um dos seus pontos fortes. Sim, mais do que a história romântica. Mas, destaco também a poesia. A escrita de Pasternak é muito poética. Aliás, o próprio Yuri escreve poesia e no fim da história encontramos os poemas que ele escreveu para Lara (e que são lindissímos!). Além disso, Doctor Zhivago está repleta de momentos cujas descrições me relembram cenas de contos de fadas. Não é incrível e contraditório? É uma história sobre guerra e ainda assim parece-me tão sonhadora, tão encantadora, genuinamente ao estilo conto de fadas. É estranho, mas bom. A maioria das outras grandes obras que li que acompanham situações destas não o fazem, como Os Miseráveis ou Guerra e Paz (que eu, na verdade, prefiro a Doctor Zhivago).
Ademais acho que esta seja uma das grandes histórias de amor de sempre. Aliás, acho mesmo que é uma história de amor normal. Tem aquela dimensão por estar sempre na incerteza, o tempo de Guerra faz dela trágica, mas de resto, é uma história de amor normal. Até é demasiado fácil. Lara e Yuri são muito cândidos e doces, sabem? Seriam até aborrecidos se não houvesse uma guerra a separá-los e a jogar com os seus destinos. São muito "certos". Mas sabem que mais? Se eles funcionam muito bem um com o outro, como verdadeiras almas gémeas, funcionam igualmente bem um sem o outro, como aliás ocorre ao longo da narrativa. Não são indispensáveis ao bem-estar e à vida um do outro, entendem? São só desejáveis e incentivantes ao mesmo. É bonito, mas eu acho que a magia de uma história de amor está relacionada com outras coisas.
No geral, eu gostei da obra. Não acho é que seja uma coisa incrivelmente extraordinária. No seu género, não me parece que seja a melhor. É muito boa, mas não genial. Ainda assim e, sobretudo pela parte ideológica e pelo sentido político, merecia aquele nobel que o autor “teve” de declinar. Como um todo, aconselho bastante a leitura. Infelizmente não consegui ler o original em russo, mas li uma versão em inglês da Vintage cuja tradução foi premiada. Por essa tradução posso responder e dizer que se lê muito bem e que é muito poética. Sei que existe uma tradução recente para o português, mas não a conheço. As traduções são importantíssimas e, há casos em que contam imenso. Mas também há casos em que as obras são tão boas que a tradução passa por nós sem ser notada. Alerto ainda para o tamanho da obra que, com efeito, é longa. E a narrativa, às vezes, torna-se demasiado cansativa. Porém, no geral, a obra lê-se bem e é cativante. O mesmo funciona para a versão fílmica. Pelo menos a que eu vi. É boa, mas às vezes cansa. Independentemente de tudo, se gostarem deste tipo de história, não podem deixar de ler Doctor Zhivago!
Idioma de Leitura: Inglês
3,5/5