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A Outra Menina Bennet

A Outra Menina Bennet

30
Set19

“Ligações Perigosas", Pierre Choderlos de Laclos

Sofia

“Foi então que confirmei a verdade, que o amor, que julgamos ser a fonte dos nossos prazeres, nada mais é do que uma desculpa para eles.”

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Tal como Le Rouge et Le Noir de Stendhal (de que falei aqui no blog há umas semanas), também Liaisons Dangereuses de Laclos era um clássico francês que queria ler desde há muito. Não o li porque quando era mais nova e comecei a ler os clássicos não existiam as traduções que existem agora nem tanta facilidade de acesso às mesmas. Entretanto, nos últimos anos desde que entrei na faculdade comecei a optar por lê-los no original. Em relação a este livro, o que inicialmente me cativou foi o facto de não me parecer encaixar nos parâmetros daquilo que deveria ser um livro do século XVIII. A moralidade, os valores, o sentimentalismo, etc. Então, sempre tive curiosidade de ler e descobrir como é que este livro tinha sido publicado, recebido, como tinha chegado até hoje e, sobretudo, se era mesmo “tão escandaloso” tendo em conta a época. 

 

Liaisons Dangereuses é, portanto, um romance francês do século XVIII, escrito sob a forma epistolar, ou seja, em cartas e que, em âmbito aristocrático, narra as tramas e jogos de Madame de Mertuil e de Viscomte de Valmont, dois ex-amantes que agora se dedicam sobretudo a manipular e controlar outras pessoas recorrendo sobretudo à sedução. Porquê? Provavelmente só porque podem. Inicialmente, Valmont determina-se a seduzir Madame de Tourvel, conhecida pela sua reputação casta e Mertuil dedica-se a desencaminhar Cécile Volanges, uma jovem acabada de regressar de um convento e prestes a casar com prévio amante de Mertuil que a desertara. As coisas evoluem a partir destes dois momentos e em função de interesses próprios. Por exemplo, Cécile acaba por se apaixonar pelo seu tutor de música, Danceny. Não só Mertuil incentiva esta ligação como encoraja Valmont a seduzir Cécile. Valmont nega por achar que isso “é demasiado fácil" preferido dedicar-se à díficil e casada Tourvel. Mas isso muda quando ele descobre que a mãe de Cécile tem passado informações sobre a sua má reputação a Tourvel, dificultando a sua ação. Então, movido pela vingança, seduz Cécile e toma-la como amante, dedicando-se a modificar por completo o seu quadro de valores e morais. Entretanto a conquista de Tourvel parece despertar nele algum afeto, o que faz com que Mertuil tome medidas e o conduza a terminar essa ligação. Acontece que, inicialmente, Mertuil se estabelecera como prémio pela conquista de Tourvel. Mas pode confiar-se em alguém como ela? Tendo entretanto tomado Danceny como amante, Mertuil nega-se caprichosamente a Valmont declarando-lhe aberta e literalmente “guerra”. E é uma guerra com baixas numerosas que preenchem as últimas páginas do romance e cujo desfecho não vos vou, claro, revelar. 

No geral, gostei bastante de Liaisons Dangereuses. Compreendo e acredito que tenha sido um escandâlo naquela altura, logo antes da Revolução Francesa. Aliás, o que eu acho extraordinário é que alguém tenha consentido publicar algo que ia tão contra a moral da época e, sobretudo, que espelhava tanto a decadência da aristocracia francesa. Além disso, não nos podemos esquecer de que este livro segue os ingleses romances também epistolares de Richardson, de teor fortemente moralista. Será coincidência? Duvido. Não admira que os ingleses ficassem tão chocados com os comportamentos e com as obras de arte dos franceses. Imagine-se o choque de alguém habituado a ler Richardson ao ler Laclos. 

Porém, para mim é muito mais do que isso. Para mim, Liaisons Dangereuses é infinitamente mais do que um livro escandaloso sobre a decadência e perfídia da aristocracia francesa do século XVIII. Acho esta uma interpretação incrivelmente simplista e redutora, muito na sombra dos ideais da revolução francesa. Também não me parece que a obra tenha necessariamente uma motivação, quanto mais uma ideologia ou um propósito. Não me parece que queira declarar ou denunciar algo. A própria aristocrácia não deve ter ficado assim tão ofendida com a obra tendo em conta que parecia até apreciá-la. Por exemplo, Marie Antoinette gostava bastante dela. Às vezes, uma obra de arte é só isso, uma obra de arte. Não gosto muito desta necessidade (aliás muito humana) que temos de estar sempre a atribuir uma interpretação ou um significado a tudo, arte incluída.  

Para mim, Liaisons Dangereuses é apenas uma obra literária e, como todas as outras obras literárias, espelha o seu contexto e o seu momento histórico, social, estético e filosófico. As pessoas comportavam-se daquele modo? Provavelmente. Mas demonstrar isso implica necessariamente criticar? A aristocracia comportar-se-ia assim porque podia. Tenho a certeza de que se as classes mais baixas tivessem esse poder, faziam igual. Somos todos feitos do mesmo.  

Portanto, como todos os bons clássicos, Liaisons Dangereuses retrata a natureza humana. Neste caso, em todo o seu maléfico esplendor. E eu aconselho-vos muito a leitura. Sei que agora existe uma tradução para português, portanto se tiverem curiosidade e preferirem ler em português, já existem esses meios. Pelos vistos, também existe um filme muito popular adaptado deste livro (provavelmente até mais do que um). Penso que nunca o vi e por isso não posso dizer-vos se é uma boa adaptação, mas tenho agora imensa curiosidade para ver. Vocês já viram? Conheciam este livro? Já leram? Se não leram, não é tarde nem é cedo! 

Idioma de Leitura: Francês 

4/5 

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Estudante de Letras. Romântica Incurável. Perdida algures num sonho. Apaixonada por livros, chá, contos de fadas, tragédias e chuva. Entre Flores & Estrelas.

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