“Moby-Dick”, Herman Melville
Ahab teve tempo para pensar; mas Ahab nunca pensa; ele apenas sente. Isso é intrigante para o homem mortal! Pensar é uma audácia. Apenas Deus tem esse direito e privilégio. Pensar é, ou deveria ser, algo frio e calmo; e os nossos pobres corações palpitam, e os nossos cérebros batem demasiado para o fazer. E, contudo, por vezes já pensei que o meu cérebro era muito calmo – frio, congelado.
Moby-Dick era outro daqueles livros que, antes de ler, tive de pôr numa lista antes para me ir convencendo de que tinha mesmo de o ler. Sempre o quis fazer, confesso que mais pelo seu estatuto em termos de cânone do que pelo apelo que a história propriamente dita tinha para mim. Agora estou bastante satisfeita com a conclusão deste projeto.
Se me pedissem do nada para dizer de que trata Moby-Dick, confesso que bastante embaraçada responderia simples e humildemente: “é sobre uma baleia”. De facto, toda a narrativa de Moby-Dick gira em torno de uma baleia branca gigante, “sperm whale”, chamada “Moby-Dick” que, após ter privado o capitão Ahab da sua perna, é por ele perseguida. Então sim, Moby-Dick narra a história da perseguição e vingança de um capitão que dedica a sua vida à caça de uma baleia.
Está claro que isto é mega simples e que Moby-Dick é muito mais do que isso. Toda a obra é uma alegoria que eu digo desde já não ter entendido completamente, o que penso que se deve muito à complexidade do livro e ao facto da própria obra ser incrivelmente difícil de acompanhar.
Esta obra foi por diversas vezes descrita com uma das mais difíceis de ler e, sobretudo, de terminar de ler. Com toda a sinceridade vos digo que às vezes dava por mim a ler “sem estar a ler”, se me entendem. E, no geral, tenho de dizer que terminei a obra mais por teimosia do que pelo prazer que ela me causou.
Está claro que nada disto quer dizer que a obra não seja boa. Pelo contrário, quando comecei a pensar mais seriamente sobre ela, após acabar a leitura, comecei a “começar” a entender o porquê de ela ser considerada “o grande clássico americano”. Se concordo? Ainda não. Li outros clássicos americanos de que gostei muito mais. Mas, pelo menos, consigo entender o porquê de Moby-Dick ser assim considerada.
Para uma obra ser relembrada tanto tempos depois da sua composição e publicação, é preciso apenas que continue a contar algo sobre nós que ainda faça sentido, com o qual ainda nos possamos identificar. Este é claramente o caso de Moby-Dick. Andamos toda a nossa vida na busca de algo que não alcançamos ainda, certo? Cada vez que alcançamos um dos nossos objetivos, traçamos outro. Mudamos de alvo à medida que “abatemos” o anterior, não é? Então, aqui é igual, mas sob a forma de baleia. Além disso, há outra coisa muito humana. O motivo que move a história. O desejo de vingança. Haverá algo mais humano do que o nosso sentido de justiça que nada mais diz do que “as pessoas que nos fazem mal têm de ser castigadas”?
Assim, também se pode observar uma contradição ao Transcendentalismo, um movimento filosófico popular à época nos EUA. Os transcendentalistas acreditavam no poder individual, na liberdade pessoal, na natureza boa e cândida do Ser. Penso que não preciso de comentar a forma em como Moby-Dick contraria este tipo de ideologia. Acho que já ficou claro.
Imensas outras alegorias aparecem em Moby-Dick. Por exemplo, há quem veja a perseguição da baleia como uma alegoria para a perseguição do homem pelo conhecimento, seja ele qual for, intelectual, religioso, etc. A vertente religiosa é, de resto, evidente na obra, com referência bíblicas, com a ideia do leviatã, e com os nomes das personagens. O narrador, por exemplo, refere logo no início que o podemos tratar por Ismael. Há ainda quem veja uma alegoria social relacionada com o sistema democrático e, além disso, com a escravatura, um assunto tão em voga na época de composição. Existem claro, muitas mais teorias em relação às infindáveis possibilidades de alegoria nesta obra e todas elas fascinantes. Eu pessoalmente entendi estas com maior facilidade e considero-as as mais relevantes.
Há ainda imensas referências ou, se preferirem, imensas situações que relembram outras obras literárias. De repente lembro-me dos épicos de Homero e de Beowulf devido à clara demanda heroica à forma como Ahab me relembra todos aqueles heróis demasiado orgulhosos que são punidos pela sua hybris. Além disso, destaco a influência de Shakespeare, sobretudo através, claro de Hamlet e também de King Lear.
Acho que ficam claras duas coisas: a infinidade de possibilidades de interpretação e a dificuldade em identifica-las todas. Tal dificuldade advém sobretudo da dificuldade em concentrarmo-nos numa obra que abre tanto espaço a que nos percamos e percamos o interesse com especifidades pouco cativantes. Mas a minha conclusão principal disto tudo é que a minha teimosia valeu a pena. E vocês? Sentem-se com disposição para ser um bocadinho teimosos?
Idioma de Leitura: Inglês
3/5