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A Outra Menina Bennet

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15
Jul19

“Muito Barulho por Nada”, William Shakespeare

Sofia

“Não há nada no mundo que ame como a ti, não é estranho?"

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Pois é, outra vez Shakespeare! Bem sei que, para quem segue o blog, já é um abuso ir na terceira obra de Shakespeare, ainda por cima quase seguidas. Mas foi como já vos tinha dito, há uns tempos senti saudades do estilo e quis ler algumas coisas do autor que me tivesse passado ao lado. Muito Barulho por Nada é a terceira obra nesta espécie de 'ciclo Shakespeare’ e, com imenso gosto vos digo que é a minha preferida até agora. Tornou-se também a minha terceira peça preferida do autor de entre todas as que li, e mal posso esperar para vos dizer porquê! 

 

Muito Barulho por Nada é uma comédia brilhante sobre amor, engano, e claro, sendo da autoria de quem é, sobre a natureza humana. Existem duas histórias principais, a de Hero e Claudio e a de Beatrice e Benedick. O tema é o mesmo e é transversal a toda a obra: o amor. E que novidade é essa, podem perguntar à vontade. Bem, a questão é a forma como o tema é abordado. Hero e Claudio estão apaixonados, ótimo, vão casar, há uma tentativa de impedir o casamento, etc, same old same old. A novidade está em Beatrice e Benedick. Nenhum dos dois quer casar, nenhum dos dois acredita no amor, e nenhum dos dois suporta o outro. Esse é o principal motivo de comédia na obra. Através de um esquema, Beatrice e Benedick são levados a crer que o outro está apaixonado por si e, a partir daí, a comédia reside mais no facto de, afinal, eles não se conhecerem assim tão bem a si mesmos. 

Antes de mais tenho de dizer que estou convencida que as histórias que vemos naqueles péssimos filmes americanos que estamos sempre a depreciar, mas que transformamos em sucessos de bilheteira só podem vir daqui. Gostaria muito que Jennifer Anniston & co. tivessem essa consciência nas próximas péssimas (mas fáceis e contagiantes) comédias românticas que protagonizarem. Tenho igualmente a certeza que aquela cena popular de estar a protagonista feminina a falar e de repente ser beijada do nada vem daqui e da famosa frase de Benedick “Peace; I will stop your mouth”. O que vos parece? 

Sabem o que também tem piada? Na primeira cena Beatrice diz “I wonder that you will still be talking, Signior Benedick: nobody marks you”, ao que Benedick responde “What, my dear Lady Disdain! are you yet living?”. Não sei se isto para vós tem piada, mas eu ri-me imenso, ainda por cima devido contexto. Na última cena Beatrice é calada com um beijo. Pelo meio ainda há aquela passagem famosa e muito citada por tudo e por nada, “I love you with so much of my heart that none is left to protest”. Não temos aqui uma grande evolução? E duas personagens que sempre condenaram o amor e o casamento. Na verdade, o modo como eles veem o amor e a instituição do casamento é derrogatória, mas tem muita piada, porque eles apresentam premissas nas quais toda gente ainda acredita e profere, mas sob uma luz cómica, com muita simplicidade, e claramente com toda a nossa hipocrisia. Afinal, nós não mudámos assim muito, pois não?

Como vos disse, adorei esta obra. E quando adoramos muito uma coisa torna-se muito difícil explicar porquê. Era muito fácil dizer que tem a ver com a história romântica e com a relação amor/ódio dos protagonistas, ninguém ia achar estranho. Mas estou convencida de que é mais do que isso. Até porque, quando se fala de romance, prefiro histórias trágicas. O que eu gostei mesmo muito foi da facilidade com que as nossas opiniões mudam em função do nosso ego, em como somos facilmente enganados não só pelos outros, mas por nós mesmos, em como somos tudo menos constantes e fiéis, a nós e aos outros. Tudo o que está relacionado connosco e com a nossa natureza é ténue e frágil, não vos parece? E as coisas e as pessoas nunca são as mesmas dois dias seguidos. Então porque é que nos damos a tantos trabalhos para dizermos uma coisa que, se já não acreditamos nela amanhã, foi porque nunca acreditámos de todo? Acho que foi por isto que gostei tanto da peça e é por isto que gosto tanto de Shakespeare. Afinal, em que outra ocasião ou através de que outro método é que refletiria acerca disto? De certeza que me passava pela cabeça, como já havia passado antes, mas não deste modo e, além disso, não de uma forma cómica.  

Eu li este livro em 2 dias e nos dois dias, cada vez que alguém olhava para mim quando eu estava a ler devia pensar “que raio, porque é que aquela menina está sorrir?” Pois é. E eu teria respondido muito simples e candidamente: “Shakespeare!”. Muito Barulho por Nada é tão cómico que vocês nunca terão essa noção até lerem. E ao mesmo tempo, é simples e leve. Não tem o peso de ser inspirada em algo real nem implica que conheçamos algum contexto histórico específico. É só uma peça muitíssimo engraçada sobre o amor, o engano e a natureza humana. Isso dá-lhe assim um cariz singelo e doce, por ser tão simples e ao mesmo tempo tão complexa, por implicar tanto e ao mesmo tempo ser mesmo “tanto barulho por nada”. Mas no fim, tudo se resume a isso, não é? 

Bem, acho que já adivinham que eu não podia recomendar mais Muito Barulho por Nada. É pequena, é engraçada, existe em todo o lado, há mil traduções, existem edições mega baratas, etc. Em suma, não há desculpa para não ler! 

 

Idioma de leitura: Inglês 

 

5/5 

 

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Estudante de Letras. Romântica Incurável. Perdida algures num sonho. Apaixonada por livros, chá, contos de fadas, tragédias e chuva. Entre Flores & Estrelas.

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