“Noites Brancas”, Fiódor Dostoievski
Sou um sonhador. Sei tão pouco da vida real que simplesmente não consigo evitar reviver momentos como estes nos meus sonhos, pois tais momentos são algo que raramente experienciei. Sonharei contigo toda a noite, toda a semana, todo o ano.
Noites Brancas foi originalmente publicada em 1848 e foi uma das primeiras produções de Dostoievski. É um pequeno conto e divide-se em seis partes.
A história é narrada na primeira pessoa por um narrador do qual não sabemos o nome. O espaço da ação é a cidade de São Petersburgo. As seis seções seguem o narrador, as suas deambulações pela cidade e a sua relação com uma outra personagem, Nastenka, que ele conhece enquanto caminhava. O narrador, que surge como uma pessoa solitária e sonhadora, estabelece então uma ligação com Nastenka — também ela solitária e triste em consequência de um desgosto amoroso anterior — e a narrativa passa a seguir os encontros dos dois. Assim, a história divide-se em 4 noites que correspondem aos encontros entre os dois e ainda numa secção dedicada à história pessoal de Nastenka e uma última parte que serve para finalizar a obra e que recebe o nome de “manhã”, descobrindo a conclusão destes encontros.
A obra como que inicia com uma preocupação em ilustrar como o alheamento do protagonista no seu mundo interno o isolou da realidade, da vida prática, das pessoas em seu redor e das relações humanas, culminando na sua crença numa incapacidade de sentir determinadas emoções em contextos reais. Neste âmbito, é especialmente interessante que o que o aproxima de Nastenka em particular seja precisamente uma exibição de emoções, de humanidade, da parte dela — o protagonista repara primeiramente nela porque a vê a chorar. Igualmente interessante é o modo como ele acaba por desenvolver sentimentos de índole romântica por ela, quando antes o havia considerado altamente improvável.
Se alguém lesse esta história e não soubesse quem a escrevera, mas conhecesse a priori a obra de Dostoievski, conseguiria imediatamente adivinhar a sua autoria, tal não é a especificidade do tema e do estilo. Recordou-me especialmente Memórias do Subterrâneo. O narrador sem nome, a narração na primeira pessoa, o tom melancólico e desencantado, a preocupação com a capacidade imaginativa e sonhadora e o modo como tal afasta o indivíduo da realidade e a representação da tristeza resultante de desgostos pessoais, são exemplos de características específicas da obra do autor que também encontramos em Noites Brancas.
Esta pequena história está traduzida no nosso país e foi por diversas vezes adaptada cinematograficamente. Gostava de destacar particularmente a adaptação de 1957, Le Notti Bianche, realizada por Visconti. É um filme lindíssimo e que, tal como o livro, vale muito a pena.