“O Amante de Lady Chatterley”, D.H. Lawrence
A nossa é essencialmente uma época trágica pelo que nos recusamos a levá-la tragicamente. O cataclismo ocorreu, estamos entre ruínas, começamos a construir pequenos novos habitats, a ter pequenas novas esperanças. É um trabalho árduo: não há uma estrada direta para o futuro: mas damos voltas ou apressamo-nos entre os obstáculos. Temos de viver, independentemente de quantos céus caíram.
Já gostava de ter lido esta obra há mais tempo, mas apenas este ano coloquei mesmo na minha “lista”. Compreendo que é uma obra bastante popular e talvez existam mais pessoas que já a leram do que pessoas que a querem realmente ler. A popularidade precede-a.
O Amante de Lady Chatterley (1928) relata o caso amoroso entre Connie, Lady Chatterley, e Oliver Mellors, um dos empregados do seu marido, Sir Clifford. Todavia, a obra é muito mais do que isso. O Amante de Lady Chatterley dá uma extraordinária ênfase à diferença social entre Connie e Oliver e ao modo em como as classes definem a vida e a arbitrariedade do indivíduo. Além disso, existe ainda um foco no modo como a vida amorosa e íntima era encarada pelas elites e no modo como mulher e homem a viviam.
Como se sabe, aquando da sua publicação a obra originou uma tremenda contestação, sobretudo por parte das instituições, que levou inclusive a um processo legal. Foi também censurada em imensos países durante algum tempo e, pelo que li, ainda não se pode ler em países com a China. Como vemos, a censura sempre existiu e, como vimos nos últimos dias, toda a nossa evolução intelectual e humanista, não a impede de existir ainda. De facto, enquando lia pensei muitas vezes sobre como é que tinha sido publicada antes do século XXI ou, pelo menos, antes da segunda metade do século XX. Não são só as descrições explícitas de momentos mais íntimos ou o próprio tema, é também o vocabulário. Mas suponho que seja precisamente por tudo isto que a obra tenha sido um marco importantíssimo e deva também a estas peculiaridades a sua popularidade e impacto.
Queria apenas muito brevemente destacar os três últimos aspetos que vos referi acima. Por um lado gostava de sublinhar que não penso que esta questão da diferença de classes e do impacto desta diferença na vida individual seja um tema novo quando esta obra é escrita, porque essa fórmula está na base de um sem número de outras obras. Realmente a novidade é o modo como é tratada. Acho que o facto da maior parte do inconformismo relativamente à questão vir da personagem masculina, como o facto da sua reflexão e capacidade analítica contrastar com a sua posição social e, claro, o próprio facto de se associar um motivo romântico à questão contribui muito para a forma como a olhamos e para o peso que lhe conferimos. Cria-se uma empatia diferente.
No que concerne o modo como se encarava a relação amorosa e intima então, sobretudo pelas elites, devo dizer que fiquei ligeiramente surpreendida. A superioridade conferida à componente e à compatibilidade intelectual foi algo que sabia existir - como ainda existe -, mas cujo impacto e prevalência não pensei tão forte. Além disso, achei muito perspicaz o modo como essa ideia é ironizada e invalidada. De resto, gosto sempre bastante da forma como a oposição sentimento/razão é tratada e, vendo-a sob esta nova luz e de um modo diferente foi algo novo. Geralmente há sempre uma abordagem mais intelectual do que prática.
Em último lugar, em relação ao modo como mulher e homem encaram a relação amorosa acrescentava somente que o que mais sobressai para mim é a forma simples, direta e crua com que o tema é abordado pelos protagonistas, num tom de conversa que correspondemos sem hesitar ao dos tempos atuais mais do que ao dos tempos de outrora, ou deveria dizer, ao que pensamos que ocorria nos tempos de outrora? Porque nós não ouvimos as conversas privadas de então e o que lemos delas não deixa de ser filtrado pela censura da sociedade e da beleza da arte.
O Amante de Lady Chatterley foi uma das obras que mais gostei de ler até agora neste ano. Foi das mais cativantes e, reconheço que em parte isso se deve ao tema e ao enredo. Somos naturalmente atraídos por estes temas e dilemas, mas o modo como a narrativa é construída é realmente importante neste âmbito porque, com efeito, o tema pode ser muito cativante, mas se for tratado de forma exaustiva ou enfadonha, por muito bom que seja o resultado final, não é tão agradável, rápida e simples a leitura. Neste caso, não posso deixar de sublinhar a forma como a obra está escrita. Mesmo as conclusões e reflexões que tiramos dela surgem espontaneamente à medida que vamos lendo.
Como podem adivinhar, recomendo imenso esta leitura! Sei que existem traduções desta obra em português e a versão em inglês está em todo o lado e é francamente acessível em todos os aspeto. Já leram? Qual a vossa opinião?