“O Ano da Morte de Ricardo Reis”, José Saramago
Tem cada um o seu modo pessoal de dormir e morrer, julgamos nós, mas é o dilúvio que continua, chove sobre nós o tempo, o tempo nos afoga.
Não sei sobre quantas obras de Saramago já vos falei aqui, mas sei que já foram algumas. Como já vos contei, sou uma grande fã. Em relação a esta escolha em particular, apesar de há muito estar na lista de obras de Saramago que queria ler, confesso que foi devido ao filme baseado na obra e realizado por João Botelho que está para estrear que me decidi de uma vez a comprar e a ler. Não fosse isso, talvez tivesse optado por outra.
O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984) segue o heterónimo de Fernando Pessoa que chega a Portugal vindo do Brasil precisamente na altura em que Pessoa morre. Após 16 anos ausente, o protagonista chega a Lisboa no fim do ano de 1935 e aí permanecerá por um período limitado de tempo. A partir de então, a história segue Ricardo Reis a procurar estabelecer-se como médico, as suas relações com Lídia - a empregada do hotel onde primeiramente reside -, e Marcenda - uma hóspede do mesmo hotel -, bem como as visitas que vai recendo do próprio Fernando Pessoa. Ambientada em 1935-6, a história acaba por incluir diversos eventos que decorriam então e, desse modo, aborda acontecimentos como o surgimento e o estabelecimento do fascismo em Portugal, Espanha e restante Europa.
Como calculam o tom da obra acaba por ser significativamente político. Para não mencionar a sempre presente vertente filosófica que caracteriza a escrita de Saramago. Se segue o blog sabem que não gosto nem costumo tecer comentário ou considerações a respeito de tais momentos e agora não será diferente. Opiniões são opiniões e, nestes casos são mais pessoais e, por conseguinte, mais sensíveis.
A questão do heterónimo. Apesar de achar a ideia muito original, confesso que no inicio comecei por estranhar e tive alguns problemas em levar mais seriamente a leitura. Mas esta "estranheza" durou muito pouco tempo. Lá para o meio já estava tão emersa que nem me lembrava dessa questão. Até ao fim mantive a curiosidade de saber onde e como ia acabar a narrativa por causa deste aspeto. Gostei bastante do desfecho. Não o esperava mas acho que fez todo o sentido.
Sobre a componente “romântica”, se assim lhe podemos chamar, acredito que seja a primeira vez que não tenho muito a dizer. Isto porque ainda não tenho a certeza de a ter compreendido bem. Parece-me que esta questão está incrivelmente ligada com os heterónimos e com uma componente existencial. Para além disso, começei a certo ponto a ver Lídia e Marcenda como símbolos de diferentes tipos de amor, como o emocial e o físico, por exemplo. Consequentemente, elas e as relações, emoções e mesmo ações que despertam no protagonista são exemplificativas, a meu ver, de algo que vai muito além de uma mera simbologia romântica e/ou afetiva.
Por fim, sobre as visitas de Fernando Pessoa, que dizer? Talvez nelas a tal componente filosófica se expresse ainda mais. Acho que foram os meus momentos preferidos. Lembro-me de a certo ponto, quando já passavam muitas páginas desde a última visita dele a Ricardo Reis, me ter questionado o porquê da demora. Foram genuinamente os momentos que mais apreciei.
De um modo geral, gostei bastante da leitura e por isso incentivo-vos a ler esta obra. Não obstante, não foi uma das obras do autor de que mais gostei. Consigo lembrar-me de uma mão cheia de outras que me cativaram e entusiasmaram mais. Ainda assim, gostei muito de ler O Ano da Morte de Ricardo Reis e estou desejosa de ver a adaptação filmica. E vocês? O que acham da obra? Já leram? Gostaram? Pensam ir ver o filme?
4/5