“O Anticristo”, Friedrich Nietzsche
“Os fanáticos são pitorescos, a humanidade gosta mais de ver gestos do que ouvir razões."
Bem, já sei. Cada vez que falo aqui de obras filosóficas é quase sempre do mesmo autor. Mas o que fazer? Nietzsche é o meu preferido e estou determinada e concluir em breve a leitura de todas as obras que escreveu. Além disso, contínuo a achar que ele é o autor de uma das filosofias mais importantes e intemporais. E O Anticristo estava em promoção!
O Anticristo é uma obra super pequena (infelizmente) e com apenas 62 aforismas que demonstram os problemas do que o autor chama de “antinatural”, “transmutação de valores”, “grande calamidade", "nódoa imortal da humanidade” - o Cristianismo.
Sabem que, por norma, quando os textos de que falo aqui são filosóficos, não me alongo muito. Apesar de adorar filosofia e obras filosóficas, não é de todo a minha área e quando tenho o prazer de a estudar, salvo uma exceção ou outra, é no âmbito dela enquanto contexto e sempre ligada à literatura ou à cultura e história. Como tal, não me agrada correr o risco de dizer algum disparate.
Contudo, gosto sempre de deixar impressões gerais. Pareceu-me que, de todas as obras de Nietzsche que li até ao momento (sobre algumas até falei aqui), O Anticristo será a mais "agressiva” em termos de mensagem e ideologia, mas sobretudo de linguagem. Quase se pode ouvir uma pessoa zangada por trás. O que não parece muito “racional” ou “filosófico", pois não? Porém, acredito que este modo de exprimir ideias é o que mais distingue o autor e, é sem dúvida uma das coisas que mais gosto nele. Não me parece, no entanto, que ele tivesse muita distância em relação a este assunto em particular. O que não invalida o facto de o que diz ser ou não verdade, ou de nós, enquanto leitores, concordarmos ou não.
O assunto abordado, como vocês provavelmente concordam, ainda é delicado. Como tal, acredito que poucas pessoas poderão aceitar este tipo de visão ou estar aptas a concebê-la. Não acho, contudo, e como já infelizmente ouvi, que seja preciso alguém não ter religião ou não ser crente, para a compreender. Acho que é só preciso distância e imparcialidade. O que também não se consegue com muita facilidade, pois não? Dito isto, também não creio que a obra seja tão mal-aceite ou compreendida como se julga. Acho que cada vez há mais pessoas que a aceitam, concordando ou não com ela.
Eu cresci numa família católica e tive, desde muito pequenina até sair para a faculdade, educação religiosa. Com o tempo e com muita naturalidade, a minha visão e as minhas ideias e ideologias foram-se alterando, mas a verdade é que às vezes ainda gosto de ir à igreja com a minha família. Para mim é um hábito social. E em cidades pequenas esse hábito ainda tem uma importância tremenda. Sobretudo em países como o nosso em que a moral coletiva ainda é muito influenciada pela moral cristã e católica. Porém, não me parece que a educação religiosa seja, em todos os casos, um obstáculo ao entendimento das coisas como elas são ou da aceitação do que é verdade.
Também acho que o tema desta obra é muito pertinente. E acho que com o tempo, se vai tornar ainda mais pertinente. Só não sei quem, sabe o que já se fez, bom e mau, em nome da religião, por ela ou por causa dela. Quando penso sequer nisso, fico pasmada. E pensar que pode ter sido tudo por nada? Não parece uma ideia nada agradável, pois não? Não me parece que aceitar esse facto esteja para breve. Ia ser um grande golpe e duvido que algum dia a humanidade esteja preparada para o suportar.
Na minha modesta opinião, a religião é muito confortável. Não tanto porque dá conforto a quem tem fé, mas sobretudo porque permite controlar. Se não existisse, era tudo permitido, como escreveu Dostoiévski? Bem já sabem a minha opinião sobre isso, já a escrevi aqui.
Como conclusão deixo-vos as últimas palavras da obra, que resumem muito bem o seu tom e ideia genérica:
“Hei de escrever em todas as paredes esta eterna acusação contra o Cristianismo, onde quer que haja paredes – tenho letras que até hão de fazer ver os cegos... Chamo ao Cristianismo a última grande calamidade, a única grande depravação interior, o único grande instinto de vingança, para o qual nenhum meio é suficientemente venenoso, sub-reptício, subterrâneo, baixo - chamo-lhe a única nódoa imortal da humanidade... E conta-se o tempo a partir do dies nefastus com que se iniciou semelhante destino – a partir do primeiro dia do Cristianismo! - Porque não antes a partir do seu último dia? - A partir de hoje? - Transmutação de todos os valores!..."
Não preciso de vos dizer que recomendo que leiam O Anticristo, afinal é Nietzsche.
Idioma de Leitura: Português
4,5/5