“O Conto de Inverno”, William Shakespeare
Lá vêm aqueles a quem fiz bem contra a minha vontade.
O Conto de Inverno é uma peça de Shakespeare, considerada entre as comédias, inicialmente publicada aquando da publicação da primeira coleção das obras de Shakespeare em 1623. Supõe-se que terá sido escrita por volta de 1610/11 e terá sido encenada, no mínimo, em 1611.
A ação da peça - em cinco actos - decorre da amizade entre Leontes, rei da Sicília, e Polixenes, rei da Boémia. Leontes convence-se de que a sua esposa, Hermione, mantém um caso romântico e extra-conjugal com Polixenes e que a criança que espera é, na verdade, fruto desse caso. Assim convencido, Leontes ordena a Camillo, um Senhor da Sícilia, que envenene Polixenes. Todavia, ao invés de o fazer, Camillo avisa o rei da Boémia do perigo que corre e os dois partem de volta para o seu reino. Entretanto, Leontes decide prender Hermione após acusá-la publicamente de infidelidade. Tal acto resulta na morte do filho de ambos e herdeiro ao trono, na morte da própria Hermione e no envio da sua filha recém-nascida para longe da corte. Esta criança, Perdita, é resgatada e educada por um pastor e pelo seu filho e Leontes percebe o seu erro. Desasseis anos mais tarde, o filho de Polixenes, Florizel, apaixona-se por Perdita e, para escapar ao pai que não aprova a união, foge com Perdita justamente para a Sícilia e para a corte de Leontes, ainda em luto pelas suas perdas autoinflígidas. O último acto da peça ata as pontas soltas e desvenda todos os equívocos e identidades escondidas.
Esta é talvez hoje uma das comédias e das peças de Shakespeare mais conhecidas. Mas nem sempre foi assim. Até ao século XIX – quando o Romantismo se fascinou com os cenários pastoris desta peça – O Conto de Inverno não era assim tão encenado ou especialmente popular.
Outra contradição é a sua categorização enquanto comédia. Muitos críticos veem esta peça mais como um romance. Penso que tal se relaciona com uma clara diferença na peça. Os primeiros atos não são propriamente o que se considera uma comédia, mas mais semelhantes a drama, sobretudo pela abordagem psicológica. Na verdade, no inicio, a peça relembrou-me muito do drama Otelo. Por outro lado, os últimos atos são, realmente, muito semelhantes ao que encontramos em outras comédias de Shakespeare. A questão pastoril, exemplo, relembrou-me imediatamente da comédia Como vos Aprouver, uma das minhas peças preferidas de Shakespeare.
Por fim, gostava de sublinhar uma curiosidade em relação a esta peça. O Conto de Inverno foi e é ainda visto como um paralelo, uma referência à história real de Ana Bolena, a segunda esposa de Henrique VIII que foi decapitada depois de acusada de adultério; entre os seus supostos amantes contou-se um dos amigos mais próximos do rei que se confessou culpado. Não obstante, é consensual que a peça se baseia, na verdade, no romance pastoril de Robert Greene, Pandosto de 1588.
O Conto de Inverno tem várias traduções em português, muito fáceis de encontrar, e inúmeras edições igualmente recorrentes e muito mais acessíveis no original em inglês. Eu li a edição em inglês da Wordsworth que conta com uma pequena introdução cuja leitura igualmente aconselho.