“O Jogador”, Fiódor Dostoievski
O que sou eu agora? Zéro. O que posso ser amanhã? Amanhã posso ressuscitar dos mortos e começar de novo a viver! Posso encontrar em mim o homem, enquanto se não tiver perdido!
O Jogador surgiu primeiramente em 1886 e aborda o vício do jogo. A obra terá sido escrita e publicada sob pressão – Dostoievski precisava do dinheiro proveniente da publicação para pagar as suas próprias dívidas de jogo.
A obra segue o narrador Alexei Ivanovich, tutor da família de um general, por cuja sobrinha, Polina, está apaixonado. É justamente desta paixão que surge um dos momentos mais importantes da obra. Sabendo do seu afeto por ela, Polina pede a Alexei que faça uma aposta no casino por ela. A partir de então começam a entender-se as dificuldades financeiras da família do general e, ao mesmo tempo, começa a evidenciar-se o vício pelo jogo que marca a obra. Alexei surge como alguém que não consegue resistir ao impulso e, no auge do vício, começa inclusive a depender dele para a sua subsistência.
A temática do jogo que é abordada ao longo de toda a obra, de facto, nunca deixa de surpreender. Gostava de destacar como a inabilidade de resistir ao impulso, ao vício, é desenhada de tal modo que o próprio leitor sente empatia por Alexei. A isso provavelmente ajuda a familiaridade do autor com o assunto. Como é sabido esta obra tem contornos autobiográficos e também Dostoievski se debateu com este vício.
Foi especialmente interessante notar a amoralidade despertada pela compulsão que inibia Alexei de ponderar as suas ações. Ou mesmo o poder do impulso em impor-se não apenas a questões de ordem moral e ética, mas igualmente às necessidades do protagonista e, sobretudo, aos seus próprios sentimentos. Falo, por exemplo, do modo como Alexei consegue abdicar ou esquecer o seu afeto por Polina, sempre exposto de modo tão eloquente.
Enfatizo igualmente a expressão deste vício na mãe do general e que demonstra muito bem que tal vício não é limitado em termos de estatuto, idade ou género. Com efeito, esta senhora não teria aparentemente necessidade de jogar ou predisposição a tal, mas não se coibiu de desperdiçar nesse hábito a sua fortuna e a herança que muita falta fazia ao seu filho e família. Este pareceu-me um aspeto interessante por desmontar um estereótipo recorrente (e também por aquilo que infere sobre a personagem e sobre a sua relação com a sua família).
Por fim, destacaria ainda a personagem Mademoiselle Blanche que simboliza muito enfaticamente a cupidez e desconsideração daqueles dispostos a qualquer coisa para alcançar determinados benefícios ou posição social.
O Jogador está publicado no nosso país e tem mais do que uma tradução em português, tendo inclusive sido reeditado muito recentemente. Já tiveram a oportunidade de ler?