“O Mandarim”, Eça de Queirós
“Só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas mãos: nunca mates o Mandarim!”
Comecei a ler este livro super por acaso. “Ganhei-o” num sorteio há para aí uns dois anos na feira do livro de Lisboa. Na altura senti-me com azar, confesso. Depositei-o na biblioteca em casa e nunca mais lhe toquei. Até há uns dias. Estava muito aborrecida no início da semana passada porque já não tinha nenhum livro para ler, e não ia visitar uma boa livraria senão no fim-de-semana. Então, foi nesse espirito que peguei num dos únicos livros das estantes que não tinha lido: O Mandarim. Teve preferência em confronto com outros lá esquecidos devido ao seu autor. Acontece que Eça é provavelmente o meu autor português preferido, e não há muitas obras dele que eu não tenha lido e adorado. Com isto em mente parti, cheia de expectativas, para a leitura deste livro esquecido.
O Mandarim têm um enredo bastante simples. Conta a história de Teodoro, um humilde trabalhador do reino a viver de acordo com as suas posses, que certa noite é visitado pelo Demónio que lhe propõe o desafio de uma vida: se ele tocar a campainha que está a seu lado, na China, um Mandarim rico vai morrer e ele, o humilde Teodoro, herdará toda a sua vasta fortuna. O que faria o comum mortal perante tal situação? Pois claro, acertaram. A partir daí os problemas começam, a par de uma vida de luxo. Teodoro, que sempre viveu de acordo com as suas posses, continua a fazê-lo. No entanto, agora as suas posses são muito mais, o que justifica uma mudança de vida. Então qual é o problema de uma vida de excessos de pessoa rica? Simples: a consciência. Com a riqueza, vêm o remorso, e Teodoro inicia um processo de expiação. Será que corre bem? Alguma coisa alguma vez vai poder apagar aquilo que ele fez, mandar embora os remorsos, e aliviar um consciência culpada?
Confesso que, sendo Eça, estava à espera de outro tipo de história, porém posso dizer que não fiquei desiludida. Este livro fez-me pensar e refletir imenso sobre a condição do homem e a natureza do ser humano. Também me fez refletir sobre mim mesma. Eu sei que tudo o que li é fantasia, e a probabilidade de tal acontecer é infinitamente pequena, mas pude evitar pensar “e se fosse comigo?”? Não. E se fosso convosco? O que fariam? Sei que há pessoas no mundo que diriam que jamais tocariam a campainha, mas também sei que há imensas que a tocariam sem sequer pensar duas vezes. Ao mesmo tempo sei que muitas das pessoas que diriam que não tocariam, iam, se confrontadas com tal situação tocá-la, da mesma maneira que aposto que muitas das que diriam que a tocavam não teriam coragem para o fazer.
Também pensei muito no seguinte: Teodoro estava bem na paz da sua miséria, ele não vivia mal, vivia comodamente dentro das suas possibilidades, não era um pobre a mendiagar esmola para comprar pão, então porque tocou a campainha e arriscou o tumulto da riqueza que se seguiria? Sei que é próprio da natureza humana querer sempre mais e mais e mais, mas mesmo assim parece-me um mau negócio. Sei que me vão dizer, “ele não sabia que ia viver um tumulto”. Mas bem, então ele não concordou em matar um Mandarim, uma pessoa, um ser humano? Não calculou que tal ação o ia atormentar para sempre e o ia impedir de usufruir pacificamente da sua riqueza? Este personagem trocou a paz da miséria pelo tumulto da riqueza e eu afirmo que ele fez um péssimo negócio.
Mas quem sou eu para fazer juízos de valor? E quem sou eu para afirmar que faria ou não faria o mesmo que Teodoro? Felizmente não me aconteceu a mim, nem creio que algum dia me possa acontecer ter de decidir uma coisa destas, por isso estou livre!
Deixando as filosofias e os “e se” de lado, não posso deixar de dizer que estou bastante feliz por ter pegado neste livro e o ter lido. Apreciei a leitura imensamente. Ainda por cima é um livro relativamente pequeno que se lê num dia, de leitura muito acessível, e claro é Eça. Então porque não ler? Recomendo-vos a leitura.
Idioma de leitura: Português
3/5