“O Vermelho e o Negro”, Stendhal
“As verdadeiras paixões são egoístas”
Esta obra fazia parte da minha lista de livros a ler há séculos. Não o li há mais tempo porque, como sabia que era um livro genial mesmo antes de o ler, quis esperar para o ler no original, para não ter de lidar com uma tradução. Mas agora, finalmente, posso falar sobre ele.
Ambientado no século XIX em França, O Vermelho e o Negro é um Bildungsroman (romance que trata do crescimento e do amadurecimento do personagem principal). Trata da história de Julien Sorel e da sua ambiciosa ascensão social. Em criança, atormentado pelo pai, acaba por ficar próximo de um membro do clero local que lhe ensina latim e mais tarde lhe arranja um trabalho como precetor para as crianças dos Rênal. Julien torna-se, em pouco tempo, amante da Madame de Rênal. Este romance não corre bem porque uma das aias da dita senhora se apaixona por Julien e expõe o affair dele com a esposa do patrão. Julien parte para Paris pouco depois, onde a sua ambiciosa escalada social começa de facto. Lá, a trabalhar para os De La Mole, Julien envolve-se em intrigas políticas e sociais (numa época de particular tenção como foi o século XIX em França) e começa um novo caso, desta vez com Mademoiselle De La Mole, para quem se esperava um melhor partido, naturalmente. É o começo do fim. Quando, a muito custo e por fim, Marquis De La Mole “aceita” o casamento da já grávida herdeira com Julien, recebe uma carta da vila de Julien, assinada por Madame de Rênal a dar-lhe conta do caracter de Julien como alpinista social. Este regressa com uma arma e tenta assassinar a ex-amante. Ela sobrevive, mas ele é condenado à morte, e mais não conto!
Vou começar por referir o que mais me impressionou. Quando estava a ler a obra, senti por diversas vezes que estava a ler uma obra mais século XX do que século XIX. Pareceu-me muito avançada para a época de publicação e acho que isso justifica que tenha sido proíbida em alguns sítios. Está claro que tal não me surpreende vindo de Stendhal, mas mesmo assim é notável.
A intriga no geral é semelhante àquela de outras obras da época, é o estilo e a parte da emoção, o desenrolar num âmbito psicológico que mais me fascinou. Em poucas palavras, é uma obra muito intensa.
A parte política e o conflito social são um ponto forte, evidentemente. Mas, se seguem este blog sabem que nada me encanta tanto como o romance. E, nesse âmbito, não poderia ter ficado mais satisfeita. É mesmo aquela história de paixões fortes, ciumentas desregradas e egoístas, que eu adoro, aquela na qual, por muito que os ingleses se tenham esforçado, nunca chegaram sequer perto da mestria dos franceses. Estou tão feliz com o romance neste livro! Não só por não ter acabado bem, mas por ter sido intenso e muito selvagem, meio humano, meio divino, estão a ver? As paixões egoístas de Julien só podiam ser as de um alpinista social; o afeto meio desesperado e até maternal de Madame de Rênal denota aquela mulher da época, infeliz no casamento, que nunca amara de verdade, mas que estava presa a um dever social; o sentimento sonhador e caprichoso de Mademoiselle De La Mole é apenas indicativo de uma alma romântica que havia lido alguns romances e que ficara presa a uma conceção e conceito de amor. Gostei mesmo muito deste aspeto da obra.
E da oposição de classes. A forma como Julien utilizou os sentimentos e os manipulou para a sua ascenção pessoal é claro um dos aspetos que mais ficam da obra quando acabamos de a ler. Ele no fundo só queria queria sair da vila e do domínio do seu terrível pai, da sua numerosa família, da opressão que ainda caracteriza os meios pequenos, de forma sintética, ele queria ser alguém e queria, sobretude, deixar de ser pobre. Mas o pobres não amam também? Muitas são as opiniões de que ele não amava, de verdade, nenhuma das senhoras que utilizou em prol dos seus interesses, mas ele conclui por diversas vezes que amava uma e outra e no fim, decide-se por uma em concreto. E eu acredito nele. Julien pode ser uma das personagens mais egoístas com que já me deparei, mas não duvido nem duvidei que também ele amou. E no fim, como não sou nada senão uma sonhadora, penso que foi por isso mesmo que ele pagou. Pelo seu amor, e não pelo seu egoísmo.
No geral, adorei O Vermelho e o Negro, tal como sabia que ia adorar. É o meu tipo de livro; a critica social, o contexto histórico e político, a intriga, a história de amor intensa, etc. Não falta nenhum ingrediente. E o resultado é uma obra complexa, mas simultaneamente muito acessível. É uma daquelas obras em que podemos observar a natureza humana em todo o seu esplendor e decadência. Daí que seja um clássico.
Considero que não há muito mais a acrescentar e por isso também vimos a qualidade notável de uma obra - quando achamos que não temos nada a dizer é porque não somos capazes de o dizer, e isso só pode vir de um espanto produzido por rejeição absoluta ou por maravilhamento. Por isso, resta apenas acrescentar, leiam O Vermelho e o Negro.
Idioma de Leitura: Francês
4,5/5