“Oliver Twist”, Charles Dickens
O Oliver Twist pediu mais!
Não há nada que abunde mais na minha biblioteca do que romances ingleses de século XVIII e XIX. Durante a minha adolescência era tudo o que gostava e tudo o que lia e foi através deles que conheci todos os outros grandes clássicos que fui lendo. Recentemente, não sei bem explicar porquê, fui me lembrar de que não tinha lido assim tanto de Dickens. Great Expectations (Grandes Esperanças em Portugal), óbvio, e alguns contos, mas onde estavam os outros romances dele que eu sabia de antemão que ia adorar? Foi mais ou menos o mesmo que me levou, há uns tempos, a fazer uma encomenda de obras de Shakespeare que ainda não tinha lido (falei de algumas aqui no blog!). Assim que pensei nisto fui ver o que me faltava ler, fiz uma encomenda e venho-vos agora falar de uma das coisas simultaneamente mais doces e cruas que já li, Oliver Twist!
Oliver Twist (1837) conta a história do protagonista do mesmo nome, um jovem orfão, cuja mãe morreu durante o seu parto. Nascendo naquilo que eu hoje chamaria, talvez, uma casa de correção, Oliver cresceu numa casa paroquial até ter cerca de 10 anos e ser enviado para outra casa de correção, da qual foi expulso após, esfomeado entre outros esfomeados, ser “sorteado” para pedir mais comida (“O Oliver Twist pediu mais” vem desta cena). Um tal crime faz com que seja quase vendido como aprendiz a, imagine-se um agente funerário. Nem vos digo onde a pobre criança dormia. Em nova precariedade, Oliver foge para Londres onde é acolhido por um grupo de delinquentes criminosos que cedo entendem os benefícios de utilizar uma criança na perpretação dos seus crimes. No meio de um desses crimes Oliver é abandonado pelos seus colegas e acusado do crime. Mr Brownlow, a vítima, acaba por o acolher e criar por ele afeto. Mas tal não dura, o grupo acaba por recapturar Oliver. Envolto em novo crime, o menino é ferido e acaba novamente ao cuidado da vítima deste crime, Mrs Maylie, mas o bando de criminosos não desiste dele, por razões que o leitor de Dickens pode supor e que eu não vou desvendar aqui. De spoilers ninguém gosta. Mas romance vitoriano é romance vitoriano e não é spoiler nenhum contar que no fim, como diz o poeta, “tudo está bem quando acaba bem” e aqui acaba tudo muito bem.
Este livro sensibilizou-me muito. Achei genial Dickens ter escolhido para esta história uma criança como protagonista. Não teria funcionado tão bem de outra forma, acho que todos entendemos isso. A inocência do Oliver torna todas as outras personagens mais cruéis e todos os eventos mais injustos. Se a obra fosse protagonizada por um adulto, ou sequer se acompanhasse o percurso de Oliver até à vida adulta, como acontece com Pip em Great Expectations, não tinha nem metade do impacto que tem assim. O efeito não era o mesmo. Não me interpretem mal, a obra vale como um todo e, como um todo é fantástica. A crítica social então, é das melhores que tenho lido, sobretudo por ser das mais cruas e frias. Mas tudo isto sobe de intensidade por o objeto da crueldade, da injustiça, da depravação, ser uma criança. E ainda por cima orfã. Foi muito inteligente mesmo. O chamado “golpe de mestre”.
Na minha opinião, não há aqui nada tão fantástico como esta crítica. Se seguem o blog sabem que eu sou muito adepta de plots românticos. Mas a verdade é que Oliver Twist vale pela critica, pela representação de uma sociedade inglesa, aquela sociedade que tanto orgulho gerava pela sua gentileza, valores e morais — “a civilização inglesa e cristã" —, que não passava de uma imagem bonita. A injustiça e a crueldade desta sociedade são exposta de uma maneira tal que, francamente, até deslumbra. Não no sentido bom, como é óbvio. Mais no sentido da impressão que causa. E não é só a sociedade. São as instituições, a justiça, o Estado. Todas aquelas entidades que deviam olhar e cuidar do individuo. E o que sai de Oliver Twist é que todas estas entidades falharam. Até a uma criança orfã. E não é só isso, a todos aqueles individuos a quem Oliver se viu associado, na sua maioria adolescentes, que tiveram de se virar para uma vida criminosa porque não conseguiam sobreviver naquela sociedade de outra forma. Se não fosse a bondade de estranhos, o que tinha acontecido a Oliver? O que sofreria mais à custa do seu Estado, da sua justiça?
E agora digam-me, não vos parece atual? Não vos parece que esta história não é algo que ficou e refletiu somente a Inglaterra do século XIX, mas toda a nossa história? Desde que aqui estamos? Quem cuidará de nós quando precisarmos? É muito triste.
Recomendo muito Oliver Twist. Como veem, a história é atual, é doce e amarga ao mesmo tempo. Lê-se muito bem. Dickens é ótimo porque cativa, tem uma qualidade extraordinária e não é incrivelmente "pesado". Mesmo que não consiga atingir todos os níveis de interpretação (e quem consegue com estas obras?!), qualquer pessoa a consegue ler. E há traduções para o português. Por isso, não há mesmo desculpas. Leiam!
Idioma de Leitura: Inglês
4,5/5