“Otelo”, William Shakespeare
A reputação é uma imposição vã e falsa; frequentemente conseguida sem mérito e perdida sem justificação.
Sei que escrevo com alguma frequência sobre obras de Shakespeare aqui e que, provavelmente, deve ser o autor que mais repito. Mas nunca me canso de ler! E a totalidade da obra é tão incrivel que parece que nunca mais acabam. Lembro-me de que no ano passado falei aqui mais de comédias do que de tragédias, mas este ano parece que já vou na segunda tragédia e em nenhuma comédia. E tenho a certeza de que a próxima obra de Shakespeare sobre a qual escrevei a seguir será também uma tragédia, como Otelo.
Otelo (1603-4) é, como sabemos, uma tragédia sobre, sobretudo, ciúme. Otelo, o protagonista da narrativa, é um general e mouro casado com Desdemond. Esta sua esposa incorrera previamente no desagrado da família ao contrair tal matrimónio. A família de Desdemond não apoiava esta união devido às origens de Otelo. Mas, apaixonada por Otelo, Desdemond casa com ele. Este “pequeno” sacrifício não parece ser para Otelo um indicador suficientemente credível do amor e da lealdade da esposa por si. Iago, seu próximo, querendo livrar-se da concorrência do recentemente promovido Cassius, convence Otelo de que Desdemond e Cassius mantêm uma ligação romântica. Vitima do poder de sugestão de Iago, crendo nas provas forjadas por este, impulsionado pelos seus próprios instintos irracionais e sem se preocupar em aferir a veracidade do ardil de Iago, Otelo convence-se da culpabilidade de Desdemond e Cassius, mandando assim assassinar o segundo e matando ele próprio a primeira, apenas para se descobrir em seguida enganado por Iago.
Existem dois aspetos muito significativos sobre esta obra que gostava de mencionar. Na verdade acho que são sempre os mais apontados. Primeiramente, noto a importância e inovação da peça ao ter como protagonista um mouro. Aos olhos da contemporaneidade isto não parece assim tão extraordinário, mas imagine-se um herói trágico, de certo modo “romântico” avant lettre, a protagonizar uma peça no século XVI! E mais, casado com uma donzela de boas famílias e muito apaixonada por ele e reconhecido pelas suas virtudes pessoais e militares. Parece-me um feito arrojado e importantíssimo considerando a época de composição da obra.
No entanto, talvez o aspeto que mais salta a vista ao ler a obra é a questão do ciúme. A irracionalidade da mente humana em tudo o que diz respeito a questões emocionais é realmente uma coisa extraordinária. São inúmeras as obras artísticas nos vários âmbitos nas quais o ciúme tem um papel e um destaque significativo. Talvez Otelo tenha sido uma das primeiras. Sobretudo considerando a dimensão e a forma que o romance ocidental posteriormente deu a este sentimento. O que também me parece aqui importante no concernente a este aspeto é a forma muito humana como a questão é tratada e a consequente capacidade que o leitor tem de se identificar e criar empatia com o tormento que Otelo vive e que culmina no trágico desfecho da peça. Claro que conseguimos olhar e pensar que é absurdo, mas também devemos ter a capacidade de nos colocarmos numa situação assim. E é nesse aspeto que acho que a obra está realmente bem conseguida do ponto de vista humano.
Na mesma linha, é impossível alguém ficar indiferente ao esquema que a cupidez de Iago o leva a conceber. E tudo por um posto mais importante. Fiquei sobretudo impressionada pelo facto de até ao fim ele nunca conceder em admitir as suas ações, em assumir a sua culpa ou em sentir arrependimento ou desconforto face aos seus actos e às consequências dos mesmos. Realmente, todos estes aspetos, tão característicos da nossa natureza humana, contribuem para acentuar a atualidade da peça.
Por fim, gostava de observar que Otelo foi provavelmente uma das peças de Shakespeare que achei de mais fácil leitura. Provavelmente devido à história ser muito linear e não existirem narrativas adjacentes ou muitas personagens secundárias. Relembrou-me Romeu e Julieta nesse aspeto. Estas particularidades fazem com que seja uma peça muito fácil de seguir e, consequentemente e também em virtude do tema, muito cativante.
Existem várias traduções de Otelo em Portugal se ficaram interessados ler, mas se puderem ler o original, é sempre preferível, sobretudo neste tipo de obras onde realmente é impossível que a tradução, por muito boa que seja, consiga manter toda a essência e originalidade da obra.
Já leram? Qual é a vossa opinião? Também são admiradores da obra de Shakespeare? Qual é a vossa peça ou soneto preferido?