“Peter Pan”, J.M. Barrie
“Segunda estrela à direita e sempre em frente até de manhã."
Quando eu era uma menina muito pequenina lembro-me, e ainda hoje ouço dizer, que a única história que eu gostava de ouvir e que o único filme que eu via, que não era de Princesas, era Peter Pan. Tenho a certeza que naquela altura não sabia porque gostava tanto desta história, mas inconscientemente tinha uma razão, da qual hoje já tenho uma ideia. Aqui há umas semanas, fiz uma coisa que faço muitas vezes, que é pegar em O Principezinho e começar a ler tudo de novo. Quando acabei, decidi, um tanto do nada, que precisava urgentemente de ler Alice no País das Maravilhas e Peter Pan no original. Vá-se lá entender as meninas! Então, primeiro, Peter Pan!
Ninguém precisa mesmo de sumariar a história de Peter Pan porque todos conhecemos: rapaz de verde entra pela janela do quarto das crianças Darling, ensina-lhes a voar e leva-as até à Terra de Nunca - “Segunda estrela à direita e sempre em frente até de manhã." - um sítio de piratas, índios, sereias e fadas, onde as crianças nunca crescem.
Ler Peter Pan outra vez foi uma coisa extraordinária. Existiam imensas coisas de que não me lembrava, outras que nem sequer sabia, e milhares a que nunca soube dar o verdadeiro significado. Ler tudo de novo foi, literalmente, uma experiência mágica. E a obra é de uma beleza tal que uma criança não consegue apreciar. De forma que não me resta outra conclusão que não a de que, bem lá no fundo, Peter Pan foi escrito para os adultos. Muito ao género, "Vês? Vês tudo o que perdeste? Porque raio tiveste tanta pressa, seu idiota?”
Há mesmo coisas bonitas ali. A maneira em como as crianças Darling nunca se apressaram a deixar a Terra do Nunca porque tinham a certeza de que os pais iam sempre deixar a janela aberta para eles voltarem quando quisessem. A Sininho que bebeu veneno para o Peter não o beber. Os rapazes perdidos que construíram uma casa só para a Wendy porque ela era uma menina. O beijo do Peter que salvou a vida da Wendy e que mais não era que um simples dedal. E os bebés que, quando riem pela primeira vez, a sua gargalhada se estilhaça em mil pedaços e nascem dali inúmeras fadas que morrem cada vez que uma criança diz que não acredita que elas existem. O Peter que quando quis voltar para casa deu de caras com uma janela fechada.
Nem consigo começar a descrever o quanto gostei de entrar neste mundo outra vez! A maioria das pessoas pensa sempre que estas coisas são infantis, imaturas, que não temos tempo para perder com elas. Eu sei porque vivo e convivo com muitas pessoas que pensam isso. Eu penso que eles são todos uns grandes falhados. Estou sempre a dizer que muito tínhamos ganho se nos tivessem contado estas histórias de maneira correta, se as tivéssemos lidos quando éramos pequenos, e se as lêssemos e interpretássemos filosoficamente agora em adultos. São intemporais e só um monstro é que não o vê.
Peter Pan sempre esteve muito ligado à minha vida. Vou contar-vos um segredo: durante muito tempo, colegas meus chamaram-me Sininho porque eu acreditava em seres míticos e contos de fadas. Os idiotas não entenderam que o que eu queria dizer era que acreditava na "possibilidade". Durante um tempo levei a mal porque sabia que o faziam depreciativamente, mas hoje, enquanto escrevo esta review de um conto de fadas mágico com fadas e sereias e crianças que nunca crescem, está um sapatinho da Sininho a pender da pulseira que uso no pulso direito. Mesmo ao lado de um coração que tem a inscrição "A Dream is a Wish Your Heart Makes”.
Há uns meses, uma criança chegou ao pé de mim e "explicou-me", muito adultamente, que dragões e unicórnios “não existem de verdade”. Tinha 3 anos. Tive pena dele.
Eu aconselho muito que, se já leram, ou mesmo que já conheçam a história, leiam Peter Pan mais uma vez. A leitura é algo que varia muito tendo em conta o nosso contexto, é fugaz num momento. Digo-vos que a maneira como encarei, li e apreciei esta história, agora com 22 anos é totalmente diferente da maneira como o fiz quando ainda nem 10 tinha, ou quando era adolescente e, sei que vai ser ainda mais diferente quando for ainda mais velha. A interpretação e sobretudo o sentimento de nostalgia não têm nada a ver. Consegui ver nesta história muito mais beleza agora do que consegui quando era pequena. E hoje sei porque é que, já naquela altura, gostava tanto da história. E é como se costuma dizer: ninguém é demasiado velho para contos de fadas.
A minha edição é da Wordsworth e, para além da história que todos conhecemos, tem também Peter Pan in Kensington Gardens, que retrata a época em que, após voar da sua casa, Peter vive naquele jardim, entre fadas e pássaros. Essa história (que eu não sei porquê, não conhecia – culpo a Disney) é também muito bonita, super gentil e mimosa, e também a aconselho! E vocês, o que pensam destas histórias? E de contos de fadas? Também gostariam de lê-los todos outra vez? Também acham que eles nos pertencem mais a nós, adultos, do que propriamente às crianças? Prometam que vão sempre contar estas história da maneira certa às vossas crianças, que não as vão deixar andar a circular pelo mundo como adultos de 3 anos, a matar fadas antes do tempo. Quando elas forem adultas tudo bem, já não vai significar nada de qualquer forma.
Idioma de Leitura: Inglês
5/5