“Poesias Escolhidas”, Sá de Miranda
“Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.”
Francisco de Sá de Miranda viveu entre o final do século XV e os meados do século XVI e deixou uma obra literária considerável que influenciou diversos autores — seus contemporâneos e posteriores. Escreveu vilancetes, cantigas, sonetos, tercetos, elegias, éclogas, epístolas, etc e foi particularmente importante na origem do classicismo em Portugal.
Este volume sobre o qual escrevo é uma coleção de 19 poemas editada em 1970. Os assuntos dos poemas são vastos e vão desde temas relacionados com a vida interna, com o “eu”, passando por poemas com vertente romântica até chegar a uma Écloga e a três cartas (sob a forma de poema).
Os poemas são muito próximos daqueles que constam em cancioneiros da época e dos estilos mais populares de então. Aliás, alguns dos poemas do autor foram publicados pelo menos num cancioneiro, em 1516, e Sá de Miranda costumava frequentar a corte.
Alguns dos poemas que li nesta coleção relembram-me muito os trabalhos dos trovadores, por exemplo. E também o chamado dolce stil nuovo (muito simplista e sinteticamente, é um estilo associado ao conceito amor cortês e a autores como Dante ou Cavalcanti), âmbito no qual destaco o poema “Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho”. Essa influência não parece especialmente inusitada já que o autor terá vivido durante alguns anos em Itália onde contactou com esse novo conceito e ideal cultural, literário e artístico.
Como vos escrevi no início, a influência de Sá de Miranda em outros autores é algo muitas vezes mencionado. Vi destacado, nesse sentido, exemplos da sua influência em Camões, Sena ou Ruy Belo. Não li ainda o suficiente para formar uma opinião sobre isso, mas não tendo a duvidar.
O que sei é que, quando li os três primeiros poemas desta coleção me lembrei imediatamente de Fernando Pessoa. Não pelo estilo, mas pela temática. Por exemplo, o excerto que destaquei no início é do primeiro poema (“Comigo me desavim”) e, penso que, se como eu apreciam a obra de Fernando Pessoa, não deixam de reconhecer a familiaridade do tema. O terceiro poema desta obra (“Toda a esperança é perdida”) foi outro que me relembrou muito os temas que encontramos em Pessoa.
Ainda sobre essa questão, em dezembro li Menina e Moça de Bernardim Ribeiro e, quando lia estes poemas, lembrava-me também dessa obra, embora neste caso, pelo vocabulário, pela ambientação, pelo estilo e pelo modo de considerar o assunto romântico. Porém também isso não é particularmente invulgar, já que os autores foram contemporâneos e, aparentemente, até seriam bastante próximos.
Até ler esta coleção, não tinha tido muito contacto com a poesia de Sá de Miranda, mas depois de a concluir, pensei que tinha de ler mais. Parece-me estranho que não se estude mais este autor na escola, por exemplo. Sobretudo pela qualidade e reflexão que os poemas compreendem e que evidenciam uma personalidade notável — até considerando a época —, mas nem que fosse pela clara importância que teve então e pela influência que parece ter tido em autores que o sucederam, muitos dos quais ainda estudamos e lemos.