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A Outra Menina Bennet

A Outra Menina Bennet

10
Set18

“Requiem por um Sonho”, Hubert Selby Jr.

Sofia

“Tu és o meu sonho.”

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No princípio das minhas férias de verão vi um filme que me marcou profundamente e que rapidamente se tornou no meu segundo filme preferido de todo o sempre. Vi-o completamente por acaso. Estava a ver uma lista com filmes “must watch”, e lá estava este glorioso filme na lista. A minha escolha foi ajudada pelo facto de o filme  ter sido realizado pelo meu realizador preferido. Falo do filme Requiem for a Dream, de 2000, realizado por Darren Aronofsky, que em Portugal recebeu o título de A Vida não é Perfeita. Quando acabei de ver o filme e descobri que era adaptado de um livro, não perdi tempo. Encomendei o livro imediatamente. Chegou às minhas mãos na segunda-feira e não o larguei um segundo desde então.

 

Requiem por um Sonho tem 4 protagonistas, todos eles diferentes, todos eles com algo em comum: sonhos que levaram a melhor sobre eles. Temos Sara Goldfarb cujo único sonho é ir à televisão e vestir o seu vestido vermelho, o seu filho e o seu sonho de ganhar dinheiro fácil e aproveitar a vida junto do seu melhor amigo Tyrone, com o mesmo sonho, e da sua namorada Marion, cujo único sonho era ser uma artista famosa. A vida não é perfeita e, embora possamos sonhar, nem sempre podemos viver os nossos sonhos. O que acontece quando estamos tão obcecados com sonhos que não toleramos a vida real? Obcecada em emagrecer para poder caber no vestido vermelho, Sara começa uma dieta com recurso a comprimidos. Harry, Tyrone e Marion entram numa espiral de consumo de drogas. Como tudo acaba? No mais alto declínio e decadência. O livro ilustra claramente o triunfo da dependência sobre tudo resto: a alma, os sonhos, a dignidade, o amor, o respeito.

Vocês sabem o que significa “requiem”? Eu conheço o termo devido à minha educação (demasiado) católica. Na igreja católica costumavam celebrar-se missas de “requiem”. Penso (mas não tenho a certeza), que isso ainda se faz atualmente. São uma espécie de missas de homenagem aos mortos. A palavra tem a ver com “descanso”. Vem daquela expressão conhecida “Requiem aeternam dona eis, Domine” que é latim para “Senhor, concede-lhes o descanso eterno”. Nestas missas de homenagem costumam haver composições musicais, e essas recebem este nome de “requiem”. Então é como uma música para os mortos. Mozart tem uma composição com este nome também, a “Requiem em Ré menor”. Mas porque vos digo isto? Porque gosto imenso da ideia do título: “requiem for a dream”. É como se o sonho estivesse morto, e é este sonho que está a ser velado e homenageado com o “requiem”. Adoro esta ideia. Posso dar-vos o spoiler de que nenhum dos protagonistas morre (embora isso fosse desejável a acabarem como acabaram), mas o que morre são os sonhos deles, as ambições, os projetos. Tudo pelo cano. Tudo por uma dependência. Tudo por um sonho. Vocês conseguem imaginar estarem tão dependentes de um sonho que isso vos acaba por matar aos poucos? E vocês não conseguem sair dessa espiral? Não conseguem deixar de morrer? É triste.

Vocês não conseguem sequer imaginar o final que estes protagonistas tiveram. O sítio para onde a dependência os levou. Acho que nunca vou conseguir ultrapassar o que li. E não consigo parar de pensar em como aquilo deve mesmo acontecer. A dependência faz-nos fazer coisas do diabo, não faz? Tira-nos tudo: a saúde e a vida, mas também o amor e respeito próprio, a dignidade, o futuro e os planos, e sobretudo, os sonhos. No final até nos tira a nós próprios.

Sinceramente estou desiludida por não ter lido este livro antes. Pior que isso, estou desiludida por nunca ter ouvido falar dele. E estou ainda mais desiludida porque claramente este livro não é tão apreciado e valorizado como deveria. Nem sabia que em Portugal tínhamos uma tradução, mas é verdade temos! É da Antígona (claro), e está disponível para venda. Por isso, se não leem em inglês, não há problema, há uma tradução deste livro em Portugal. Go get it!

Quando acabei de ver o filme estava banhada em lágrimas. A partir do meio do livro, estava entre o misto de “quero chorar ou quero vomitar?”. Não vos consigo dizer o quão chocante este livro, esta história, é. Sinceramente nunca tinha lido nada assim. É tão cruo, frio, preto no branco, explicito em todos os sentidos e cenas. Não há sequer a tentativa de aplacar ou desculpar o que se está a passar ali. Na capa da minha edição em inglês há um reparo de Lou Reed que diz “Se ler este livro, tenha cuidado”. Não posso subscrever mais. Não acho que seja um livro para qualquer pessoa. Já tinha lido outros livros que tratavam deste assunto, uns muito bons, outros aceitáveis, outros francamente maus, mas nunca tinha lido nada assim. Este é o melhor livro sobre o assunto. Não tenho a mínima dúvida.

Sei que este livro entrou diretamente no meu top de livros preferidos de sempre, tal como o filme (que, a propósito, está relativamente bem adaptado). E sei que vocês vão gostar, a não ser que tenham sensibilidade a este tipo de assuntos, ou não gostem de livros explícitos, então não o leiam. O livro é mesmo muito explícito, sobretudo no que diz respeito ao consumo de drogas, aos efeitos de overdose, a tratamentos para doenças mentais, e também em algumas cenas mais sexuais, bem como na linguagem. Se não gostam deste tipo de assunto, ou se vos faz confusão ou causa estranheza, não leiam. Houve bastantes momentos, tanto no filme como no livro em que pensei para comigo “quem me dera não ter lido/visto isto”, e sei que há cenas tão fortes que vão ficar na minha cabeça para sempre. Se bem que, como vocês já perceberam, eu sou uma menina sensível e (mesmo) muito impressionável. Mas se puderem, se gostarem, se se interessarem, por favor leiam. A história é tão boa, tão tragicamente triste e bela, que dói. Por mim, toda a gente lia Requiem por um Sonho.

 

Idioma de Leitura: Inglês

 

4,5/5

 

Mais sobre a Sofia

Estudante de Letras. Romântica Incurável. Perdida algures num sonho. Apaixonada por livros, chá, contos de fadas, tragédias e chuva. Entre Flores & Estrelas.

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