“Retrato de uma Senhora”, Henry James
Pensas que podes ter uma vida romântica, que podes viver agradando a ti e aos outros. Vais perceber que estás enganada. Qualquer que seja a vida que levas, para seres bem-sucedida, deves colocar a tua alma nela; a partir do momento em que o fazes, garanto-te que o romance acaba: tudo se torna realidade! E não consegues sempre agradar-te; por vezes tens de agradar aos outros. Isso, admito, estás disposta a fazer, mas há algo ainda mais importante – muitas vezes tens de desagradar os outros. Tens de estar sempre pronta para isso, nunca deves fugir. Isso não te convém de todo — gostas demasiado de admiração, gostas que pensem bem de ti. Pensas que podemos escapar aos nossos deveres menos agradáveis através de visões romanescas — essa é a tua maior ilusão. Não podemos. Tens de estar preparada para, muitas vezes, não agradares a ninguém — nem a ti própria.
The Portrait of a Lady é uma leitura que tinha estado adiada há tanto tempo que lhe perdi a conta. Este ano foi um dos primeiros livros que comprei e, mesmo assim, só na semana passada me determinei a finalmente ler! Assim que acabei pensei senti uma mistura de “ainda bem que adiei tanto tempo” e de “como é que não tinha lido antes”.
The Portrait of a Lady (1881) acompanha a história da jovem americana Isabel Archer cuja uma das maiores ambições é nunca perder a sua independência e clarividência. Depois de ser acolhida pela sua tia, Isabel muda-se para a Europa e a primeira etapa da sua vida começa em Inglaterra onde ela vive por um tempo com a tia e o marido e o filho dela. Nesta etapa destaca-se o pedido de casamento que recebe de um importante nobre, Lord Warburton, e o de Caspar Goodwood, um conhecido seu que viera da América em seu encalço. Além disso, destaca-se ainda a morte do tio que a torna numa abastada herdeira e a amizade próxima que estabelece com uma amiga da tia, também americana – Madame Merle. Em seguida, acompanhada pela tia, viaja pela Europa e conhece Gilbert Osmond, um americano próximo de Madame Merle a viver em Itália com a filha, Pansy. Não vos dou nenhum spoiler ao dizer que rapidamente Isabel cai vítima dos esquemas de Madame Merle e de Osmond e que acaba por casar com este homem. A última etapa da obra, por assim dizer, segue o rumo desastroso do casamento de Isabel e a descoberta dos conluios do marido e da amiga, bem como de muitos outros segredos.
Um dos aspetos mais discutidos da obra relaciona-se com a perda da independência que Isabella tanto prezava. Mas, pessoalmente, esta perda não me impressionou tanto como a contradição das expectativas da protagonista. Sei que, para muitos leitores, a obra pode acabar por funcionar no tom “ela não casou antes porque queria ser independente e agora que casou calhou-lhe pior sorte”. Mas para mim funciona mais como “bem, ela pensava que sabia tanto e não sabia nada”.
O final da obra é também bastante discutido considerando aquilo que representa. O que nele é interessante para mim é a) apesar de ser “deixado em aberto”, qualquer leitor lhe dá facilmente o mesmo fim e b) apesar das imensas opiniões em contrário, não me parece que existisse outro fim possível, não só porque não seria verossímil em termos daquilo que foi a obra ou mesmo daquilo que “nós” somos, como em termos de contexto tempo e espaço.
Do ponto de vista da crítica social, gostei muito de determinadas personagens-tipo, como a tia de Isabel e o seu claro desapego a tudo o que não seja ela mesma, ou a amiga de Isabel, a correspondente Henrietta Stackpole, tão independente e revolucionária no seu contexto. Creio que esta personagem é uma favorita entre o público e, embora eu geralmente não gostar muito deste tipo de personagem, muito menos em livros de época, gostei imenso de Henrietta. Também destaco a arrogância e o decoro da nobreza inglesa com Lord Warburton, a pretensa intelectualidade da classe média-alta de então, ou o mecenato das pessoas que nunca conseguem viver abaixo da condição a que se habituaram através da representação de Madame Merle e Gilbert Osmond. E por falar neles, gostava ainda de notar o quanto a dinâmica dos dois e os seus esquemas me recordaram Laclos e Ligações Perigosas!
Também queria notar o quão “inglês” me pareceu este livro. O tema, o tom, a própria sociedade em critica, etc. Claro que Henry James se estabeleceu durante muito tempo na Europa, sobretudo em Inglaterra e, como sabemos, acabou mesmo por adquirir a cidadania britânica, pelo que esta observação pode ser facilmente justificável. Ainda assim, confesso que fiquei supreendida por, com efeito, à exceção da heroína, tudo em The Portrait of a Lady ser tão inglês. Isabel é, por outro lado, bastante americana, não só em termos de tradição heróica, mas também em termos de personalidade feminina. O que acho peculiar é também o facto de, no fim, ela se tornar tão europeia, sobretudo em pensamento e atitude. Sei que isto pode resultar do próprio amadurecimento e perda de inocência da personagem, mas ainda assim pareceu-me muito interessante.
The Portrait of a Lady levou-me a refletir sobre conceitos como a liberdade e a independência e o modo como estes são tão relativos, como mudam de pessoa para pessoa, como a sua importância e valor não são transversais a todos. Isto surge muito em função de um capítulo extremamente discutido da obra em que Isabel reflete à cerca do esquema em que caiu, como chegou ali, o que poderia fazer. A sua reação dita passiva de se conformar com a sua decisão e procurar agir o melhor possível em relação a ela é, de um certo ponto de vista, bastante existencialista o que, considerando a altura de produção e publicação da obra, não admira. Ainda assim, este aspeto e a reflexão suscitada é, para mim, o ponto alto da obra.
Em suma, penso que já adivinham que gostei imenso desta obra. Creio que posso dizer que, até ao momento, foi provavelmente a minha leitura preferida deste ano. Sei que ainda agora estamos em maio e vale o que vale, mas ainda assim é a verdade. É certamente uma leitura que recomendo muito. Já leram? Qual a vossa opinião?