“Spring Storm”, Tennessee Williams
Quero aquilo de que tenho medo e tenho medo do que quero e, por isso, é como se tivesse uma tempestade dentro de mim que não consegue rebentar.
Há duas semanas falei-vos de uma peça de teatro (ou melhor, duas!) de Mary Shelley. Agora, depois de Steinbeck e do longo Vinhas da Ira, voltei a uma peça de teatro, desta feita de um autor do qual ainda não tinha lido nenhuma obra. Na verdade, a única razão pela qual escolhi esta leitura foi exatamente essa, nunca tinha lido nada de Tennessee Williams e já me parecia uma falha! Confesso que escolhi Spring Storm pelo título, às vezes sou uma dessas pessoas.
Spring Storm (1937-8, data de composição) divide-se em três actos e segue acontecimentos da primavera de Heavenly Critchfield, Dick Miles e Arthur Shannon. Heavenly e Dick tem um relacionamento que é posto em causa pela reputação de Dick, pela oposição da família de Heavenly à relação e pela vontade de Dick em abandonar a cidade. Arthur era um antigo colega do casal que regressa à cidade tão fascinado por Heavenly quanto o estava quando tinha saído. A chegada de Arthur, um partido adequado, leva a família de Heavenly a pressioná-la no sentido de uma união com ele que a afastasse de Dick. Existe ainda Hertha, uma antiga colega dos personagens, para quem Arthur se vira quando pensa não conseguir chegar a Heavenly. Este é, sinteticamente, o enredo principal.
Porém, para mim, tudo isto é o menos interessante. Gostei especialmente do âmbito aristocrático da família Critchfield, dos preconceitos que ela simboliza e da subversão destes pelo autor. Por exemplo, encontramos a mãe e a tia de Heavenly com todos os seus moralismos, preocupações sobre a reputação da família, os seus preconceitos em relação à leviandade das jovens da cidade, etc, e depois vemos como Heavenly não se importa com nada disso. Sobretudo considerando o cariz da sua relação com Dick, enfaticamente mal visto pela sociedade da pequena cidade, e os moldes em que essa relação se desenrola, sempre com um potencial escândalo à porta. Recordo-me de uma conversa em que mãe e tia de Heavenly referem que as jovens que decidiram esperar e não casar jovens ou que fizeram uma má escolha matrimonial, estão naquele momento sozinhas e pobres, criando uma imagem de uma jovem, sentada nos degraus da escada do alpendre, eternamente à espera de um homem que possa assegurar o seu futuro. Esta imagem criada pelas personagens está presente desde então e é alimentada por diversas referências até ao final da peça. É muito importante para o seu desfecho.
Existe claramente a exposição de um declínio que é acelerado pelos tempos (a peça tem ação em 1937), nomeadamente pela Grande Depressão e pelo modo como as novas gerações se afastavam das anteriores. E, como qualquer obra que lide com este tema, a classe é o tema central da obra. Igualmente, como qualquer obra americana do século XX, também Spring Storm reflete muito o desencantamento de um sonho não cumprido.
Para mim, o melhor da obra é o seu final e o modo como ele contribui para enfatizar a crítica que a história tece e subverter não apenas os preconceitos da classe, mas as crenças dos personagens e do público. A ausência de finais felizes, o modo como cada personagem acaba como que “para seu lado” e o facto de isso furar as suas próprias expectativas e as do público de então e de agora foi a parte que achei mais interessante. Estou a fazer um grande esforço para não dar spoilers!
Provavelmente sabem, mas a título de curiosidade, acrescento apenas que depois de acabar de ler a peça descobri que o autor a tinha escrito enquanto aluno e que Spring Storm não teve muita aceitação então. Aliás, a peça foi apenas representada em palco depois da morte do autor.
Em suma, Spring Storm foi uma agradável leitura. E, sobretudo, fez crescer a minha vontade de ler mais do autor. Acho que é inevitável ler A Streetcar Named Desire a seguir! Conheciam Spring Storm? Que outras obras do autor indicariam?