“The Outsiders”, S.E. Hinton
Parecia-me estranho que o por-do-sol que ela via do seu pátio e aquele que eu via dos degraus atrás da minha casa fosse o mesmo. Talvez os dois mundos diferentes em que nós vivíamos não fossem assim tão diferentes. Nós víamos o mesmo por-do-sol.
Quando eu era mais nova adorava os chamados livros ‘coming of age’. Lia-os num instante. Ainda continuo a preferir livros, filmes e séries deste género. Pode ter a ver com o facto de ser mais fácil de me relacionar, claro. No meio da minha adolescência, estranhamente, passei ao lado de The Outsiders. Mais estranho, passei ao lado não só do livro, como do filme. Mas não passei ao lado da expressão icónica e proferida hoje indiscriminadamente que, na verdade, vem desta história - “stay gold”. Julguem-me, mas só no início deste ano descobri de onde vinha tal expressão e fiquei atrapalhada por perceber que tinha deixado escapar este famoso e importante ‘coming of age’ (ainda por cima considerado um clássico moderno!). Então, pus The Outsiders - ou, como se lembraram lhe chamaram em Portugal, Os Marginais -, na lista e apesar de só o ter lido no fim de setembro, finalmente posso riscar.
The Outsiders é essencialmente uma história sobre desigualdade e sobre escolhas. O cenário é adolescente, o que a torna mais chocante e crua. A narrativa é contada por Ponyboy Curtis, um adolescente de 14 anos, e foca a rivalidade entre dois grupos sociais – os “greasers” e os “socs”. Os “greasers” são os chamados “outsiders”, ou seja, os rapazes e raparigas de famílias mais pobres, aqueles mais à margem da sociedade, que têm de lutar para encontrar recursos que lhes permitam sobreviver. Está claro que isto implica alguma criminalidade. Os “socs” são de famílias mais abastadas, que não precisam de nada porque já têm tudo e mais alguma coisa. Ponyboy faz parte do primeiro grupo desde que os pais morreram e ele ficou com os irmãos. A rivalidade entre os dois grupos é tremenda e estonteante, com membros de ambos constantemente envolvidos em lutas. O ponto alto desta rivalidade acontece quando Johnny, amigo de Ponyboy, em legitima defesa, assassina Bob, um membro dos “socs”. A história desenvolve a partir daí e é impossível resumir o resto sem dar grandes e importantes spoilers, algo que eu odeio fazer. Por isso, se querem mesmo saber o que acontece, têm de ler!
Sabiam que a autora tinha apenas 15 anos quando escreveu The Outsiders? Nem quero pensar nisso. O que estavam vocês a fazer com 15 anos? Eu provavelmente estava a ler ou a chorar ou a discutir com alguém, como qualquer outra pessoa de 15 anos! Estranhamente, ao ler The Outsiders, lembrei-me muito desses anos. E acho que se vocês lerem, também se vão lembrar da vossa adolescência ou, se ainda estiverem a vivê-la, vão encontrar aqui reflexos dela. A um nível completamente diferente, como é lógico. Na minha escola (e espero que na vossa) ninguém assassinou ninguém! Mas não é mesmo isso que está em jogo.
O que mais me agradou em The Outsiders, foi a maneira como a autora captou a ausência de escolhas, o desespero e a frustração de não querermos ser aquilo que temos, por imposição da natureza e da sociedade, de ser. Os adultos adoram dizer aos adolescentes que eles são novos, que têm a vida inteira à sua frente, que só agora é que podem fazer tudo o que querem. Mas o que é que fazem ao mesmo tempo que dizem estas coisas todas? Limitam-nos. Ter sido adolescente foi a pior coisa que me aconteceu. Só tenho 23 anos, mas se há algo que sei é isso. Fiz tudo menos o que os adultos diziam que eu só podia fazer então. O mero facto de te dizerem que só em determinada altura é que podes fazer tal coisa é tão assustador que, e falo por mim, já nem a queres fazer. Só o conhecimento de que tudo o que fizeres vai definir o que vai ser a tua vida futura é aterrorizador. Por exemplo, eles dizem-nos então que temos tempo para ser o que vamos ser, mas depois temos 15 e 16 anos e pedem-nos para escolher se queremos seguir ciências ou letras. E ainda nos dizem para consideramos o que nos dá melhores perspetivas de futuro. Estão a ver onde quero chegar? The Outsiders capta esta questão de teres todo um mundo de possibilidades à tua frente e não o puderes aproveitar porque a verdade é que não tens escolha nenhuma. Fazes o que a sociedade quer que tu faças e o que os teus pais podem pagar.
Johnny de The Outsiders nunca sequer tinha saído da sua cidade até ao dia em que matou Bob e teve de fugir. A semana em que esteve em fuga foi a única em que fez coisas importantes. 16 anos e a única coisa que fez de bem, a única coisa de que gostou, derivou de uma decisão errada na qual foi apanhado, não por escolha própria, mas por instinto e imposição social.
“Stay Gold” é uma referência ao poema de Robert Frost "Nothing Gold can Stay" (lindissímo, leiam!). A interpretação dada pela autora, que também é a que eu considero, remete para o “gold", o ouro que nunca permanece, ser os tempos de infância, de adolescência, que terminam quando nos tornamos adultos. Para mim, a adolescência é tudo menos de ouro. A infância sim. Aí sim, estamos próximos da liberdade, livres de imposições. Não porque não estejamos inseridos numa sociedade e não tenhamos pais de quem dependemos, mas porque não pensamos sobre isso. Quando começamos a pensar estragamos tudo, porque começamos a crescer. Eu nunca diria “stay gold” a um adolescente de 15 anos, diria-o a uma criança de 5.
Tudo isto para vos tentar dizer que The Outsiders capta muito bem o problema de ser adolescente. Para mim, mais do que a desigualdade social que se adora debater quando se fala desta obra, isto é o mais importante. Podemos ver todos o mesmo por-do-sol, mas não o vemos da mesma forma. Nem em relação aos outros, nem em relação a todas as versões de nós que vão surgindo com os anos. The Outsiders vale muito a pena e se puderem ler, independentemente da idade que têm agora, não deixem de o fazer!
Idioma de Leitura: Inglês
4/5