“Vida Nova”, Dante
Naquele livro que é a minha memória, na primeira página do capítulo que é o dia em que te conheci, aparecem as palavras, "Aqui começa a nova vida".
Vita Nuova foi publicado em 1294, muito antes de A Divina Comédia, e aborda, em verso e prosa, ao longo de quarenta e dois pequenos capítulos, o amor de Dante por Beatriz. Acredita-se no carácter autobiográfico da obra.
A obra inicia com a alusão ao primeiro encontro do poeta com Beatriz, quando ambos tinham nove anos e, a partir de então, narra o amor que o une a ela. O poeta aborda momentos como o sofrimento por não conseguir ver ou estar com amada, sonhos proféticos sobre o destino dela, a má interpretação dos comportamentos dele por ela, a morte do pai de Beatriz e, finalmente, a morte dela.
Como referi no início, a Vita Nuova é composta por quarenta e dois capítulos. Esses capítulos incluem composições poéticas intercaladas com prosa. O que é interessante aí, a meu ver, é o modo como a poesia é explicada pela prosa. É como se o poeta explicasse os seus poemas. Penso que foi a primeira e única vez que li algo assim.
Destaco, sobre esta obra, o Dolce Stil Novo - sinteticamente, um movimento literário medieval sobretudo evidente em Itália que abordava o amor no âmbito de algo divino. E, igualmente, as convenções do amor cortês. Duas tradições que me parecem evidentes em Vita Nuova.
Gostaria também de sublinhar o modo como esta obra se assemelha ao género confessional, talvez primeiramente presente nas Confissões de Santo Agostinho. Aqui, a temática amorosa torna esse aspeto especialmente interessante.
Existem diversas interpretações desta obra que remetem para um possível cariz alegórico, neste caso de âmbito religioso. Com franqueza, se refletir sobre o assunto, parece-me possível, mas prefiro continuar a entender Vita Nuova o mais literalmente possível e acreditar que realmente é sobre o amor do poeta por uma verdadeira Beatriz.
Confesso que a obra me comoveu. Sobretudo o início, quando o poeta expõe como o seu amor surge, evolui e consome e o final, quando tenta lidar com a perda da amada. Mas ainda mais a forma como o poete termina, com a promessa de voltar a escrever sobre ela, de forma mais digna (o que viria a acontecer em A Divina Comédia).
Não obstante, não posso deixar de sublinhar que, realmente, Vita Nuova é para mim mais interessante como uma obra que inova em vários âmbitos e que expõe novos estilos literários que viriam a fazer parte da nossa cultura ocidental e literária. Para não mencionar o modo como esta abordagem do amor prefigura muito do que viria em seguida, na literatura e na vida comum.
Recentemente, esta obra foi alvo de nova edição no nosso país. Por isso, creio que a encontrarão com muita facilidade se tiverem interesse em lê-la. Eu não li uma tradução em português, mas sim uma em inglês (a da Oxford que veem no início do post) e a qual recomendo, sobretudo pela sua introdução e notas.